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Sekiro: Shadows Die Twice é o novo jogo de ação e furtividade da From Software, um estúdio japonês que originalmente começou por desenvolver software para empresas, em 1986. O estúdio, agora com 32 anos, lançou o seu primeiro videojogo, King’s Field, um exclusivo PlayStation, em 1994. Se o nome desta produtora é o suficiente para assustar uns poucos, fica-se logo a saber que género de jogo é Sekiro (aparentemente). A From Software é a conhecida criadora dos aclamados Dark Souls e Bloodborne, de modo que esperei ir para Sekiro à procura de uma experiência extremamente desafiante, mas, em última análise, recompensadora. Contudo, se é certo que em Sekiro podemos encontrar muito do legado da From Software, também se pode afirmar que esta é uma nova propriedade intelectual que não está presa em ser mais um Dark Souls, ou um Bloodborne 2. Sekiro procura, acima de tudo, evoluir certos elementos que encontrámos nesses jogos, e dar-lhes uma vida nova neste misterioso novo mundo, passado na época do Japão feudal, uma época, enfim, tão historicamente rica.

Sekiro: Shadows Die Twice

SEKIRO: SHADOWS DIE TWICE

Devo dizer, antes de prosseguir para a crítica propriamente dita que, normalmente, jogos muito difíceis não costumam ser o que habitualmente jogo. Mas se escrevi esta crítica, é porque aceitei este desafio, e fi-lo de bom grado, porque senti que havia em Sekiro, tal como nos outros jogos da From Software, algo que chamava por mim muito para além de apenas a dificuldade aterradora, tão glorificada por uns e temida por outros (incluindo por mim, que sou uma galinha ainda maior que as galinhas gigantes encontradas no jogo). Posso para já dizer que me encontrava certo em relação a esse palpite, e que Sekiro cumpre a maior parte do que promete.

Furtividade

O novo grande elemento neste jogo que distingue este título dos anteriores da From Software é mesmo a furtividade (stealth). Para mim, nem a furtividade chegou para impedir que morresse um número absolutamente ridículo de vezes, mas não posso negar que em certas alturas ajudou bastante, é certo. Convém nunca esquecer que este é um jogo de ação com elementos de furtividade, não o oposto. Alguns conflitos podem ser resolvidos sorrateiramente, mas muitos outros não podem. É possível ser furtivo para ‘tratar’ de uns quantos capangas, ou pelo menos dos primeiros dois ou três inimigos numa área, mas entretanto já outros soldados repararam na confusão causada e não tarda já se dirigem na nossa direção de espadas em riste, prontos para o combate.

Gostei da existência destes elementos de furtividade, achando-os satisfatórios quando o meu plano funcionava conforme o planeado. Quando não funcionava, provavelmente acabava por morrer. Mesmo que o meu plano funcionasse na perfeição, aliás, arranjaria sempre alguma razão ingénua para morrer na mesma.

O que não gostei necessariamente na furtividade em Sekiro foi a sua implementação. A forma como os inimigos se alertavam da minha presença pareceu-me inconsistente. De vez em quando parece que estava perfeitamente escondido em cima de um telhado, sem ninguém reparar em mim, e de repente não só algum soldado me vê, como parte imediatamente para o ataque. Por vezes matava um soldado mesmo ao pé de outro e este reparava logo no que estava a acontecer, mas noutras ocasiões chegou a acontecer estar a lutar e matar soldados muito perto de outros e estes continuarem na sua vida, alheios a toda a confusão que se passava a poucos metros. Noutras situações, se já me tivessem visto e partido para o ataque, mas eu fugisse e me escondesse, parece que se esqueciam instantaneamente de mim, e nem iam à minha procura. Ou então também chegou a acontecer irem à minha procura ao sítio onde me tinham visto, ficando lá indefinidamente sem fazer absolutamente mais nada, sem sequer voltar à posição onde estavam inicialmente. Num jogo tão atmosfericamente envolvente como Sekiro, estas pequenas inconsistências na IA, e no seu comportamento no que diz respeito à furtividade, deixaram algo a desejar, apesar de fundamentalmente me ter divertido com as mecânicas.

Sekiro: Shadows Die Twice
Sekiro: Shadows Die Twice. Imagem: DR

Na vida real sempre detestei e procurei evitar conflitos, optando por tentar resolvê-los da forma mais pacífica possível, e a furtividade nos videojogos acaba por ser uma extensão dessa minha filosofia e forma de vida. Sim, confesso praticar violência nos videojogos, mas da forma mais discreta possível. Sou, no fundo, um pacifista!

Gráficos, Ambiente e Exploração

Não sei se há alguém que jogue os jogos da From Software principalmente pelos seus gráficos. Não seriam de todo a primeira razão pela qual os jogaria, havendo tantas outras razões de peso mais importantes para o fazer. No fundo, os jogos desta produtora não ficaram necessariamente marcados pela qualidade dos seus gráficos (ainda que sejam na mesma competentes neste departamento), mas sim pela jogabilidade genial, o combate apurado, a dificuldade monstruosa, tudo isto inserido num mundo complexo, detalhado, bem-apresentado e bem caracterizado. Sekiro não é o jogo mais graficamente puxado que alguma vez joguei, e isso não lhe retira mérito nenhum, porque o mundo aqui criado pela From Software consegue ser na mesma intrigante e, devo dizer, bonito.

Sekiro: Shadows Die Twice
Sekiro: Shadows Die Twice. Imagem: DR

As paisagens japonesas eram belas e pintavam um mundo devastado pela guerra, um mundo que não foi por isso que deixou de ser bonito. A caraterização do mundo e a atmosfera imersiva foram de longe as duas coisas que mais apreciei neste jogo. Foram muito bem-sucedidos ao tentar combinar o país lindíssimo que é o Japão com o período tão historicamente rico e interessante que se vê neste jogo. Nota-se uma elevada atenção ao detalhe e um charme único que só poderia surgir de uma época histórica como a representada.

Apesar de Sekiro ser primariamente um jogo linear, senti que o ambiente que me envolvia recompensava amplamente a exploração, e o facto de me apetecer seguir por caminhos alternativos, ou de querer saber o que é que se encontrava neste ou naquele canto. Não é de todo um mundo aberto, sendo, no máximo, semi-aberto, mas por existirem essas rotas alternativas, as quais sou incentivado a seguir, nunca me senti verdadeiramente consignado ou resignado a um só caminho. Havia sempre segredos escondidos suficientes para isso nunca se constituir um problema.

A elevada mobilidade conferida pela existência do gancho (grappling hook) também ajudava muito a quebrar essa linearidade. O gancho é um complemento para o braço prostético do protagonista. Não oferece liberdade ilimitada para subir a qualquer sítio, mas permite alcançar pontos pré-definidos a que nos podemos agarrar. Usualmente são telhados ou ramos de árvore. Apesar desta aparente limitação, ajuda a tornar Sekiro num jogo com muita mais verticalidade, ao contrário do que seria possível se esta mecânica simplesmente não existisse.

Sekiro: Shadows Die Twice
Sekiro: Shadows Die Twice. Imagem: DR

O gancho não só ajuda na exploração, como também na questão da furtividade, adicionando também aí uma nova camada estratégica. Permite ao jogador dirigir-se a pontos altos para observar os inimigos no seu conjunto, e planear uma estratégica para silenciosamente eliminar a ameaça. A partir de um ponto alto é também muito mais fácil saltar silenciosamente para matar furtivamente um inimigo. De uma forma geral, é possível dizer que o gancho adiciona uma camada de jogabilidade tão profunda que Sekiro não seria o mesmo sem ele. Até durante os combates com bosses, é possível utilizar o gancho, para saltar para cima deles, deixando-os vulneráveis e permitindo o ataque.

Customização e Personalização

O nosso protagonista perdeu um braço na tragédia da guerra, mas, felizmente, tem agora no seu lugar uma prótese que funciona como braço, e que é possível customizar, equipando o braço prostético com complementos que conferem novas capacidades. Existem, por exemplo, um lança-chamas, um lança-shurikens ou um machado. Não é possível utilizar estes complementos de forma ilimitada, mas podem ser comprados mais usos. Estes complementos podem ser utilizados para ajudar a enfrentar certos tipos de inimigos. Por exemplo, o lança-chamas pode revelar-se muito util para assustar monstros com medo do fogo, e o machado para derrubar inimigos com escudo. No fundo, senti que estes complementos conferiam variedade à jogabilidade e, principalmente, ao combate.

Sekiro: Shadows Die Twice
Sekiro: Shadows Die Twice. Imagem: DR

Apesar disto, no geral, o nível de customização encontrado em Sekiro é algo básico quando comparado com os jogos da From Software. Algo que, no fundo, já era esperado, uma vez que o estúdio tinha anunciado que esta seria uma experiência completamente nova, sem muitas das convenções RPG habituais nos seus jogos. Não é possível, por exemplo, criar um personagem próprio, sendo este pré-definido. Também não é possível escolher classes.

Existe uma árvore de habilidades que é possível evoluir, havendo possibilidade de escolha entre habilidades que favoreçam mais as capacidades furtivas do personagem, ou novos movimentos de combate. Tendencialmente preferi as capacidades que me permitiam ser ainda mais furtivo, porque gostei bastante que existisse esta possibilidade, mesmo que a sua implementação tenha sido medíocre por vezes, como já referi.

Sekiro: Shadows Die Twice
Sekiro: Shadows Die Twice. Imagem: DR

Gostei do nível de customização apresentado. Não senti que pecasse por ser pouco ou que estivesse algo em falta. No fundo, senti-me confortável com a quantidade de sistemas de personalização de que dispunha à minha vontade.

Narrativa e Banda Sonora

O facto de não ser dada liberdade ao jogador para criar o seu próprio personagem, e, em vez disso, termos de jogar com um protagonista já previamente definido, com o seu próprio passado e com uma história individual por contar, é, na minha opinião, um ponto muito favorável. Creio que a história de um jogo é tão mais forte quanto mais íntima for em relação ao seu protagonista, permitindo-nos a nós enquanto jogadores relacionarmo-nos com o personagem e identificarmo-nos com ele.

Sekiro: Shadows Die Twice
Sekiro: Shadows Die Twice. Imagem: DR

De facto, Sekiro conta com mais diálogo e cenas cinematográficas do que Dark Souls ou Bloodborne, o que também ajuda nessa envolvência entre jogador e história. Quando comecei a jogar Sekiro, não esperava estar tão investido no protagonista como estou agora. Uma banda sonora melódica e tão historicamente apropriada confere ainda mais força à narrativa que o jogo pretende passar. Nas batalhas com os bosses, a banda sonora reforça ainda mais a adrenalina e excitação sentidas, servindo como pano de fundo perfeito para esses combates épicos.

O Combate e a tão temida dificuldade

A dificuldade dos jogos da From Software é conhecida, e Sekiro neste aspeto não é muito diferente. Quem já jogou Dark Souls, Bloodborne ou um outro jogo deste estúdio já sabe bem no que se ia meter. Em Sekiro a dificuldade é igualmente implacável e de fazer ranger os dentes. Existe na mesma uma mecânica que dá ao jogador uma oportunidade extra, uma hipótese de ressurreição, mas que não pode ser utilizada indefinidamente. Não existe nesta mecânica bondade suficiente da parte da From Software para tornar o jogo fácil. Tinha à minha disposição apenas uma ressurreição, e se matasse inimigos suficientes, com sorte, teria direito a uma ressurreição extra. No fundo, nunca me foram concedidas ressurreições suficientes para eu sentir que me encontrava completamente à vontade para disparatar.

À medida que joguei Sekiro, nunca senti que a dificuldade, apesar de danada, alguma vez fosse particularmente injusta. Exagerada? Possivelmente. Mas não ridícula ao ponto de não saber que, se estou a perder, é culpa minha e não do jogo. Talvez porque não fiz o melhor que possivelmente poderia ter feito. As regras do jogo são claras desde o início e quem começa a jogar já sabe o que lhe espera. É possível que uma ou outra morte pudessem efetivamente ser culpa do jogo, sim, mas no fundo 99% da responsabilidade pelas sucessivas mortes cai no jogador. Neste sentido, Sekiro é um jogo de erro e aprendizagem.

A arma principal utilizada pelo protagonista é uma katana. É a forma principal de enfrentar o inimigo, e é utilizada tanto em combate direto como para matar furtivamente. O combate exige muito do jogador. É extremamente preciso e rápido, e, como é habitual da From Software, não há margem para (muitos) erros, sendo o jogador instantaneamente punido se for, por exemplo, impaciente.

Uma mecânica nova introduzida em Sekiro é a postura, ou equilíbrio. Aumentar a barra de postura do inimigo é procurar vulnerabilizá-lo para depois conseguir atingi-lo mortalmente com um golpe que lhe retire a vida toda, porque quanto mais cheia a barra de postura do adversário, mais vida potencialmente lhe podemos tirar. O objetivo principal num combate acaba por deixar de ser simplesmente tirar a vida ao adversário, e passa a ser principalmente aumentar a barra de postura dele para o deixar vulnerável a um golpe mortal (deathblow). Este golpe mortal não é só um ataque normal, é um ataque especial com direito a animação e tudo, e que mata instantaneamente o adversário. Os bosses, contudo, não morrem com apenas um golpe mortal, sendo necessários dois.

Para aumentar a postura do adversário, o jogador tem de ser fundamentalmente agressivo. É esse o estilo de jogo que Sekiro mais recompensa. Atacar o adversário faz aumentar a sua postura, embora pouco. Defletir os ataques do adversário (parry) no último momento possível faz aumentar bastante a sua postura, sendo para isto necessário estar sempre em cima do acontecimento e do adversário, e procurar atacar e defletir o máximo possível. Se por ventura o jogador se afastar e não interagir, não atacar, a postura do adversário começa a diminuir, o que evidencia a natureza agressiva do combate em Sekiro.

Sekiro: Shadows Die Twice
Sekiro: Shadows Die Twice. Imagem: DR

Enquanto combatia em Sekiro dei por mim muitas mais vezes a prestar atenção à barra da postura do adversário do que à sua barra de vida. Isto acontece porque a maior parte dos inimigos também usavam espadas, o que significava que muitos dos meus ataques não os atingiam diretamente, e portanto não causavam dano físico direto. No máximo, quando atacava, aumentava a barra de postura, e era nisso que me procurava focar, já que o inimigo podia defletir os meus ataques (tal como eu defletia os dele), e se eu andasse à procura de tirar pontos de vida em vez de tentar desequilibrar o meu adversário, arriscava-me a perder mais tempo, e, com isso, aumentar a minha chance de cometer mais erros que me prejudicassem e inevitavelmente levassem à morte.

Tudo isto conferia às batalhas em Sekiro um caráter muito dinâmico, especialmente quando se tratava dos bosses. O próprio jogador tem a sua barra de postura, e também está sujeito a levar com ataques muito fortes quanto mais desequilibrado estiver. Em vez de estar a enfrentar uma esponja de pontos de vida com ataques bastante perigosos a evitar, sentia quase como se estivesse a lutar contra um ser pensante, dono da sua própria estratégia, mas também vulnerável às suas próprias fraquezas.

Sekiro: Shadows Die Twice
Sekiro: Shadows Die Twice. Imagem: DR

A existência dos Sculptor’s Idol, os bonfires de Dark Souls, como único ponto onde se pode recuperar vida (para além dos itens) e verdadeiramente salvar o progresso até então conseguido no jogo, cria uma tensão muito própria (já observada em Dark Souls ou Bloodborne) entre risco e recompensa. Só apenas ao chegar a um novo Sculptor’s Idol é que se pode dizer que verdadeiramente fizemos progresso, mas a questão é que os Sculptor’s Idol estão escassamente dispersos pelo mapa. Avançar de um até ao próximo nunca é fácil, requer sempre o nível certo de desafio. Por vezes até é possível seguir por um caminho alternativo e encontrar um novo Sculptor’s Idol de que não estávamos à espera, um que até nos pode dar acesso a uma nova área, porque, como já disse, em Sekiro, a exploração é amplamente recompensada.

Sekiro: Shadows Die Twice
Sekiro: Shadows Die Twice. Imagem: DR

VEREDITO

Uma nova e épica aventura dos criadores de Dark Souls e Bloodborne, Sekiro é uma mistura genial de furtividade e combate absolutamente implacável, mas brutalmente recompensador. Envolto por uma atmosfera inebriante e uma narrativa apelativa, pautado por uma banda sonora de arrepiar, este é um clássico instantâneo e um possível candidato a jogo do ano de 2019.

Esta análise foi baseada numa versão para PlayStation 4.