A loucura parece ter chegado ao deserto selvagem mais louco do mundo digital! Fazemos saltos mortais, enquanto disparamos tiros impossíveis, com uma arma em cada mão, e executamos piruetas acrobáticas que terminam com um potente soco no chão, que projeta os adversários mais próximos para o ar. Tudo isto é RAGE 2, um shooter onde toda a gente parece ter perdido a cabeça.
RAGE 2 é a sequela direta de RAGE, lançado em 2010 e, tal como o seu antecessor, é desenvolvido pelo estúdio da id Software, um gigante da indústria dos videojogos, tendo já sido responsável pelo desenvolvimento de sagas de enorme sucesso, como DOOM e Quake.
À primeira vista este não seria um jogo semelhante aos títulos que tornaram a empresa famosa, mas os criadores da série Quake parecem decididos a atingir novos públicos, e desta vez contam com a preciosa ajuda da Avalanche Studios. Será esta a receita para um novo sucesso? Vamos para o deserto praticar loucuras e descobrir todo o potencial de RAGE 2.
RAGE 2
Este é mesmo um jogo louco! As acrobacias, as armas, as mortes e as explosões, tudo é exagerado, mas isso não quer dizer que seja algo mau. Se tivéssemos de adivinhar, diríamos que esta faceta vem tirar proveito da participação da Avalanche Studios, ou não fossem eles responsáveis por jogos como a saga Just Cause e Mad Max. Obviamente jogos muito pacatos, ou não! Neste caso, isto também poderá querer indicar que RAGE 2 recebeu destes títulos, não só um pouco da sua ação frenética, mas também uma grande parte da experiência do estúdio na criação de ‘mundos abertos’, uma tendência nos dias de hoje.
Na verdade, a Avalanche Studios não participou neste jogo apenas como uma ajudante, sendo a maioria da equipa principal de desenvolvimento. A id Software ‘limitou-se’ a garantir que todos os aspetos de RAGE 2, mais ligados à linha de desenvolvimento original do jogo, tal como a sua componente de shooter, estivessem de acordo com o ‘know-how’ da empresa e não perdesse a identidade que carateriza o estúdio. Um jogo de mundo aberto, frenético e com a jogabilidade de tiro de Doom ou Quake, realmente parece uma excelente ideia no papel, mas isso nem sempre é algo fácil de atingir na realidade, e a menor interação da id Software pode ter ditado isso mesmo.
Apenas uma sequela?
Antes de mais, é preciso não esquecermos que estamos a falar de RAGE 2 e, tratando-se de uma sequela, as comparações com a edição anterior são inevitáveis. Em contraste com a primeira edição, desta vez não viajamos entre as áreas de um mapa, não existem ‘loading screens’, não há passagens de níveis. Agora, o mundo é realmente aberto, e isso já por si é uma novidade muito positiva.
Para explorar este novo mundo começamos por escolher o nosso personagem, que pode ser do sexo masculino ou feminino, e pouco mais que isso. A aparência geral do nosso herói é fixa, e não a podemos alterar no decorrer do jogo. No máximo, o jogo permite-nos alterar algumas skins de armas e a armadura que utiliza. Até mesmo a personalização visual das armas acaba por ser fraca, uma vez que se baseia em microtransações, o que, na nossa opinião, é uma escolha demasiado limitada. Embora, supostamente seja possível encontrar algumas skins de armas durante o jogo, não tivemos essa sorte.
Depois de algumas cenas introdutórias, finalmente somos colocados no mundo de RAGE 2. Rapidamente percebemos que a maior parte dos ambientes continua a ser composta por áreas rochosas e desertos relativamente grandes, e apenas os símbolos do mapa indicam as tarefas que temos para fazer. Felizmente, quando viajamos um pouco mais parte norte, percebemos que o mundo de RAGE se alterou profundamente. A vida encontrou um caminho até nestas terras devastadas, e tudo porque um grupo paramilitar chamado Authority anda a fazer complicadas experiências genéticas. Este será um fator importante na muito pouca história do jogo.
Uma seca
A história de RAGE 2 é quase tão insignificante que nem valeria a pena descrevê-la. Com apenas 10 missões, e um punhado de horas de jogo, é também demasiado curta na nossa opinião. A isto juntamos uma escrita sem grande originalidade. Com velhos e novos conhecidos de outras paragens, vamos colecionando desculpas para ir ao ponto A eliminar um grupo de inimigos, até que teremos de ir ao ponto B, e C, e D, etc, fazer o mesmo, numa experiência que, tirando algumas exceções, é geralmente entediante e pouco interessante. RAGE 2 enquadra-se no ponto médio entre uma comédia frenética e sincera, e o último episódio de Game of Thrones, numa mistura que introduz poucos momentos tocantes emocionalmente, com alguns argumentos contados sem detalhe e uma resolução pouco convincente.
Até os cenários sofrem desta aparente apatia. A Avalanche Studios criou um mundo atraente, mas quando olhamos para os detalhes, parece sempre que falta algo mais. Para começar, não existem quaisquer tipos de fenómenos climatéricos, como tempestades de areia, ou queda de chuva, e mesmo as construções e formações rochosas parecem simples demais. A decoração dos ambientes resume-se a algumas arcas espalhadas pelo chão, e as poucas cidades desoladas parecem ter um pior desenho gráfico quando comparado com o que as rodeia. Como se tudo isto não bastasse, existem ainda alguns problemas com a dimensão dos objetos à distância – o nosso herói parece grande demais para o mundo onde caminha. As transições repentinas entre zonas não ajudam à experiência, e embora visualmente, o terreno mais selvagem faça jus ao estilo do jogo, neste ponto, o seu antecessor ainda dá uma imagem melhor nos dias de hoje.
Acrobatas da areia
Num jogo como RAGE 2, a jogabilidade é obviamente muito importante e, neste aspeto, a Avalanche Studios fez o seu trabalho de casa. Talvez não seja tão competente na mecânica de tiro como esperaríamos de um jogo que conta com a participação da id Software, mas as suas pequenas falhas deixam-no ainda assim, acima da média.
O grande ponto forte de RAGE 2 é o tempo que passamos no ar. Nos dias que correm, quase todos os shooters permitem disparar enquanto permanecemos escondidos, desvios rápidos, ou algum tipo de habilidade especial no momento do tiro, mas poucos nos dão a liberdade e velocidade de movimentos de RAGE 2. Aqui, as habilidades acrobáticas são muito importantes. Com elas podemos, por exemplo, dar um forte golpe aos oponentes em pleno ar, ou atordoá-los com a nossa aterragem.
Também crucial é o modo overdrive, que não só recupera a nossa saúde por alguns segundos, como permite causar grandes danos com as nossas armas de fogo. Se combinarmos tudo isto com veículos, saltos duplos e luta corpo a corpo, estamos perante um estranho baile de combate desenfreado.
Os saltos e as cenas de luta são bastante divertidos, mesmo que algumas ações não possam ser combinadas tão rapidamente quanto gostaríamos. Sendo essa mesma rapidez uma das características das séries Quake e Doom, não podemos dizer que este jogo siga o legado destes clássicos. Ainda assim, de forma geral, RAGE 2 é furioso e enérgico o suficiente para ter a sua própria experiência de jogo, sem necessitar de prestar contas ao seu antecessor. Uma evolução positiva que apreciámos.
Demora algum tempo até nos habituarmos a RAGE 2. Entre habilidades básicas, até às mais complicadas, o sistema de movimentos é um pouco diferente do normal. Os jogadores no PC vão ter ainda mais dificuldade neste processo, uma vez que o sistema parece ter sido projetado inteiramente a pensar nos comandos das consolas, ou simplesmente foi mal adaptado para o teclado e rato. Uma pena na nossa opinião! Na consola, a adaptação é um pouco mais fácil. Estamos já habituados à câmera girar automaticamente com o movimento, e as várias combinações de teclas parecem mais intuitivas.
Pouca areia num deserto
Parece haver pouco para fazer no mundo de RAGE 2. É certo que existem pequenas tarefas paralelas, como desafios de pilotos, ou missões de Bounty Hunter, mas rapidamente percebemos que não passam de pequenas trivialidades que podemos ignorar, uma vez que até as suas recompensas são diminutas.
Os pontos de ação são distribuídos pouco uniformemente pelo mapa, e destacam-se principalmente porque a ação é muito focada no combate corpo a corpo. Geralmente, deslocamo-nos até um certo ponto sem nunca sermos atacados. A luta começa com momentos de ação, tiros e pancadaria, e, logo após o último inimigo sucumbir, voltamos a ficar sozinhos no meio de um deserto desolador e vazio. De seguida vamos embora tranquilamente até ao outro ponto de ação, onde tudo se repete.
Não há transições suaves, como no mundo de Far Cry, que é estruturado de forma semelhante, mas onde somos frequentemente atacados pelo caminho, e temos opções de luta a longas distâncias. Em RAGE 2, isto é especialmente notório pela forma como os acampamentos estão desenhados, que, tendo sempre apenas uma entrada, focam nessa zona toda a ação, sem muitas opções de furtividade ou de ataques à distância.
Se RAGE 2 permitisse uma maior liberdade de estratégias, quando atacamos um forte ou acampamento, não só daria mais profundidade ao jogo, como até alguma longevidade, pela opção que teríamos em poder repetir vários locais apenas pela curiosidade de experimentar novas formas de ataque.
Na verdade, as habilidades acrobáticas, como salto duplo, ataques poderosos e armamento fora do comum, fazem lembrar um pouco Crackdown 3. No entanto, este último tinha um mapa mais compacto, com mais pontos de ação, mais atividades no caminho e algum desenvolvimento de personagem. RAGE 2, em comparação, parece um pouco incompleto e vazio, ou talvez mal pensado. Curiosamente, Mad Max e Just Cause já sofriam um pouco deste problema, mas neste caso é um ligeiramente mais evidente, o que resulta num jogo com pouca alma.
VEREDITO
Jogar RAGE 2 faz-nos sentir divididos. Se por um lado podemos desfrutar ao máximo da ação desenfreada, saltos mortais e armamento original, por outro, a falta de uma narrativa à altura, curta duração da campanha e cenários desolados de conteúdo, impedem que voe mais alto. Não há praticamente nada para descobrir. A Avalanche Studios criou um conjunto de escaramuças quase corpo a corpo, com pontos de ação separados entre si, mas nunca um verdadeiro mundo aberto completo, algo que seria à partida uma das suas especialidades.
A quantidade absurda de habilidades para desbloquear, obriga-nos a percorrer a maior parte do jogo, terminando apenas quando finalmente temos um herói completo, numa altura em que já não temos praticamente mais nada para fazer, dando pouco uso ao potencial máximo do herói. Depois de muitas conversas entediantes com os npcs locais, acabamos por enfrentar bandos de inimigos que parecem todos iguais. Felizmente, RAGE 2 tenta compensar essas lacunas com uma jogabilidade diferente do comum e francamente divertida. Com corridas loucas, ação explosiva, acrobacias impossíveis, que apenas contrastam com o pouco conteúdo por descobrir, RAGE 2 é um jogo tão exuberante e frenético, que temos pena que não esteja ao mesmo nível em todos os seus aspetos.