Será que os clássicos RPGs, as aventuras em papel, e os jogos de tabuleiro, são coisas do passado? Planescape: Torment e Icewind Dale parecem decididos a demonstrar que velhos são os trapos, e chegam agora às consolas da última geração, duas décadas depois de terem sido originalmente lançados para o PC. Passados tantos anos, será que a sua magia vai continuar a agarrar os jogadores ao ecrã? Ou a passagem do tempo já tornou obsoleta a sua forma única de jogar? Voltamos a vestir a nossa armadura, pegamos no nosso dado imaginário e fomos explorar as masmorras, histórias e locais fantásticos que Planescape: Torment e Icewind Dale nos têm para oferecer.
Quando encarnamos um personagem, entramos no seu mundo, lutamos contra os seus inimigos, colecionamos objetos valiosos, e ganhamos XP para evoluir… sabemos que vamos continuar a repetir o processo! Pelo menos até sermos fortes o suficiente. Ainda nos dias de hoje, esta é uma fórmula muito bem conhecida para a maioria dos jogadores, e uma das bases para qualquer jogo que se insira no género RPG. Antes de mais, convém revermos a origem destes dois clássicos e parte do seu percurso até serem revividos para as consolas em 2019.
Planescape: Torment e Icewind Dale Enhanced Editions
Tal como o próprio conceito de Role-Playing Game (RPG) nasceu da inspiração de jogos de tabuleiro como Dungeons & Dragons e Shadowrun, também nos videojogos, os clássicos Planescape: Torment e Icewind Dale não foram exceção, levando essa inspiração muito para além do estilo RPG, baseando os seus universos, e até mesmo as suas localizações, nos cenários de Dungeons & Dragons.
Planescape: Torment, produzido pelo estúdio Black Isle Studios, chegou originalmente ao PC em 1999. O mesmo estúdio já tinha trabalho no desenvolvimento de Baldur’s Gate, lançado no ano anterior, e por isso, optaram por utilizar uma versão modificada do mesmo motor de jogo, o Infinity Engine. Embora não tenha sido um enorme sucesso de vendas, Planescape: Torment foi muito bem-recebido pela crítica, levando o estúdio a desenvolver um novo jogo no ano 2000, Icewind Dale.
Inicialmente apenas disponível para o PC, e ao contrario do seu antecessor, Icewind Dale conseguiu aliar uma boa receção da crítica, a um grande sucesso de vendas, provavelmente devido ao seu maior foco na ação, de tal forma que no ano de 2001, Icewind Dale já tinha mesmo ultrapassado as 400 mil unidades vendidas. Este sucesso terá impulsionado a adaptação do jogo para Mac Os, em 2002.
Devido ao seu estatuto de clássico, Icewind Dale recebeu em 2014 uma versão melhorada para PC, Mac OS, Linux, iOS e Android, apelidada de Icewind Dale Enhanced Edition, e desta vez publicada pela Beamdog. Três anos depois, em 2017, chegou a vez de Planescape Torment receber a sua versão Enhanced Edition, uma edição igualmente melhorada, e também disponível para as mesmas plataformas. Apesar de vários anos de desenvolvimento e melhorias destes clássicos, desde o seu lançamento original em 1999, foi necessário esperar duas décadas para podermos jogar também nas consolas. Em outubro de 2019, Planescape: Torment e Icewind Dale chegam para a PlayStation 4, Xbox One e Nintendo Switch, com o lançamento de versões optimizadas, numa única coletânea que reúne os dois clássicos e todas as suas expansões num pacote repleto de conteúdo.
Uma Viagem ao Passado
Estamos no fim da década de 90, e para os amantes do universo Dungeons & Dragons não parece existir nada melhor do que as criações da BioWare. Exemplos como Baldur’s Gate, Baldur’s Gate 2 e Neverwinter Nights, são jogos que deram vida ao género RPG de estilo ocidental, e que mantiveram os amantes de jogos de aventura agarrados ao computador durante muitas horas. A par deles estava a Black Isle Studios, um estúdio que além de ter participado na criação da saga Baldur’s Gate com a BioWare, era já responsável pelo desenvolvimento de jogos como Fallout. Parte desta equipa de sucesso viria a tornar-se no que é hoje a Obsidian Entertainment.
Com tamanho historial, a empresa mostrou toda a sua capacidade quando, em 1999, lançou Planescape Torment, um autêntico marco no seu género, dotado de uma narrativa épica e dificilmente comparável para a sua época. Icewind Dale não conseguiria atingir esse nível de profundidade narrativa no ano seguinte, mas sendo mais focado no combate, apresentava uma experiência muito divertida ao estilo D&D, tornando-se globalmente muito bem aceite pela comunidade.
Embora estes títulos tenham já quase 20 anos, não seria a sua antiguidade que poderia causar obstáculo para uma adaptação às consolas. Tendo em conta que não estamos perante nenhum remake ou edição completamente remasterizada, percebemos que adaptar estes dois jogos de culto para as consolas não seria uma tarefa fácil, principalmente quando sabemos que foram inteiramente pensados para jogar no PC.
Adaptação para as Consolas
Jogar na PS4 ou na Xbox One, um jogo originalmente desenvolvido para PC, pode parecer um desafio interessante, mas jogar na Nintendo Switch é francamente mais divertido, não só porque esta plataforma parece-nos logo à partida, a mais adequada para este estilo de jogo, como nos permite jogar em qualquer lugar. Assim, optámos por analisar o port deste clássico para a Nintendo Switch, uma escolha que esperamos ter sido a mais acertada.
Apesar da nova interface, e das úteis adições ao design dos menus, a verdade é que somos forçados a alguma habituação aos novos controlos adaptados para o comando da Switch, até que a jogabilidade nos pareça minimamente natural. De entre tantas opções para controlar, como inimigos, feitiços e objetos, os dois pequenos menus circulares tornam-se um pouco complicados de usar rapidamente. E não se iludam, estes não são jogos fáceis! Felizmente, esta versão traz também o Story Mode, uma mistura do modo de dificuldade mais fácil com um “god mode”, que permite aos jogadores mais relaxados apreciar apenas a belíssima história, sem a exigência do combate.
Estes clássicos devem ser jogados com um pouco de paciência, especialmente devido aos novos controlos, e também porque a lista de conteúdo adicional é mesmo muito grande. Esta versão inclui todas as expansões, itens adicionais, classes, e até novas missões que a Black Isle Studios não inclui na edição original.
Para controlar os personagens temos agora duas opções, uma mais direta, utilizando o analógico, e uma mais tática, com apenas um botão. A primeira é mais confortável de utilizar, mas também apresenta os seus problemas, principalmente quando vemos alguns companheiros de equipa a deslocarem-se mais rápido do que nós. Por outro lado, a segunda opções confere mais controlo, simulando o sistema de click com o rato, mas este sistema é um pouco menos intuitivo na Switch do que seria no PC. A opção ideal depende da preferência do jogador, e é mesmo possível alternar conforme a situação de jogo. De entre as alternativas possíveis para adaptar estes jogos às consolas, achamos que a Beamdog acabou por escolher as formas certas de controlos, no entanto, e principalmente por não terem sido desenvolvidos especificamente para estas plataformas, existe, de facto, uma pequena curva de aprendizagem.
Se os controlos são totalmente novos, não podemos dizer a mesma coisa sobre os visuais. Embora a música tenha sido parcialmente regravada, as introduções e os vídeos não foram readaptados, e o grafismo é um pouco degradado quando jogamos com um ecrã externo. No caso da Switch, principalmente no modo portátil, o visual pixelizado mantém-se ainda assim muito atraente, e talvez até adequado ao estilo de aventura que apresenta. Embora gostássemos de poder jogar um remake completo destas aventuras com gráficos 3D, isso podia retirar-lhes alguma da magia que apresentam, e com histórias como a de Planescape Torment, talvez os visuais nem importem assim tanto.
A estabilidade e nível técnico do jogo são infelizmente um pouco incertos, e por vezes pudemos ver flashes ou pequenas perdas de frames, algo que apesar de não piorar muito significativamente a experiência de jogo, merece ainda assim ser referido. As adições do ajuste de tamanho da fonte e dos marcadores, são detalhes que também apreciamos nesta adaptação.
Veredito
É verdade que uma boa história nunca passa de moda? Quando falamos de um épico como Planescape Torment e Icewind Dale Enhanced Editions, a resposta tem de ser necessariamente afirmativa. Este é um jogo com alma, um marco que definiu um género e marcou uma geração. Talvez os novos jogadores não vejam neste título algo que se identifiquem, não só porque os visuais não são os mais realistas, o género não é o mais atrativo, nem os personagens têm sósias na vida real, mas se derem uma oportunidade a eles próprios, certamente não se irão arrepender. Não só terão a oportunidade de conhecer uma história épica, como poderão experimentar um RPG icónico que mudou a história como os RPGs evoluíram. A ação tática de Icewind Dale e a excelente narrativa de Planescape Torment, continuam a marcar pontos, mesmo quase 20 anos depois de terem sido originalmente lançados.
Se um verdadeiro remake era certamente o grande desejo dos fãs, a verdade é que a Beamdog conseguiu transportar razoavelmente bem o trabalho da Black Isle Studios para as consolas mais recentes. Com alguma paciência para nos habituarmos à adaptação aos controlos, e aos visuais característicos deste jogo, além de aprendermos a ser mais eficientes nos combates, Planescape: Torment e Icewind Dale Enhanced Editions vão certamente trazer muitos momentos de nostalgia aos jogadores mais antigos do género RPG, e até talvez um sentimento de gratidão à comunidade que ansiava poder voltar a jogar estas aventuras novamente.