Da mente criativa de Yoko Taro, chega-nos NieR Replicant ver.1.22474487139…, um remake das histórias de Kainé, Emil, Weiss, e principalmente de Nier, o nosso protagonista que é um pouco mais jovem nesta reformulada versão. Se já conhecem este nome do original Nier e NieR Gestalt (ou RepliCant, no Japão) de 2010, ou da sua sequela indireta, NieR:Automata de 2017, estão esperam grandes mudanças. De acordo com Yousuke Saito, o produtor da série, este jogo “não é um remake ou remasterização. É uma versão atualizada”, que serve também para comemorar o décimo aniversário da série.
ver.1.22474487139… não é a fórmula do Pi, nem obra de um gato enquanto caminha no teclado. O fenómeno descreve a raiz quadrada aproximada de 1.5. Para simplificar, vamos fazer como a comunidade, que parece ter abreviado este número para simplesmente 1.22.
NieR Replicant ver.1.22, resulta de uma colaboração entre a Toylogic e a Square Enix, e marca o primeiro lançamento da versão RepliCant, um exclusivo de 2010 para a versão japonesa da PS3, desta vez reinventado e com lançamento global. Das várias diferenças em relação ao jogo que lhe deu origem, destacamos a juventude do nosso protagonista, ao contrário da versão mais ocidental, o NieR Gestalt, que apresentava um NieR mais velho. Como melhoramentos para 2021, para além dos óbvios visuais, destacam-se os diálogos totalmente narrados, mais personagens e conteúdo, e até novas ligações com a trama de Nier:Automata. Ainda existem mais algumas surpresas, mas sobre isso… falaremos mais à frente.
Com tantas promessas e melhorias, NieR Replicant ver.1.22 espera poder ressuscitar esta grande aventura sob uma nova luz, mas será que também traz de volta alguns dos seus anteriores pontos fracos? E depois do sucesso que foi NieR:Automata, será que convence antigos e novos jogadores? Com esta e muitas outras questões, percorremos de comando na mão este mundo profundo e sombrio de NieR Replicant ‘versão de 2021’.
NieR Replicant ver.1.22474487139…
Antes de nos aventurarmos mais neste universo, convém fazermos a pergunta – O que realmente quer dizer ‘NieR’? É mais difícil de definir do que pode parecer. Como dissemos, NieR é de facto o protagonista desta história, e como tal dá o seu nome ao jogo. Se preferirmos, podemos escolher outro nome para o nosso herói logo ao iniciar a aventura. Por aqui, vamos manter-nos por NieR.
A história de NieR passasse num futuro a mais de 1000 anos de distância, onde depois de um evento apocalíptico, os poucos sobreviventes vivem em pequenas povoações, permanentemente atacas por seres chamados de Shadows. Como se não bastasse, são fustigados por uma doença mortal, a Black Scrawl. Yonah, a irmã do nosso protagonista, também é afetada por esta praga, e por isso, teremos de fazer tudo para procurar uma cura.
Claro que isto não será uma tarefa fácil, e para além de termos de enfrentar uma enorme quantidade de Shadows (ou sombras) pelo caminho, ainda temos de fazer missões e outros pequenos favores aos habitantes deste surpreendente mundo. De um modo genérico, NieR pode ser descrito como um jogo de ação/aventura com pequenos componentes de RPG, mas ainda esconde um pouco mais do que isso.
Narrativa Emocional
A sobrevivência é a temática central de NieR Replicant ver.1.22, tanto do ponto de vista lúdico, quanto narrativo. Não apenas no contexto do enredo principal, mas também em muitos dos contos que vivemos ao completar as missões paralelas. Raramente somos envolvidos em eventos históricos importantes, ou nas suas consequências diretas. Em vez disso, o foco está em como os indivíduos lidam com a perda ou com o medo. Yoko Taro mostra-nos um mundo triste e condenado, mas ainda assim, os seus protagonistas parecem nunca desistir.
É por isso que a história é tão relevante para a experiência final, com as suas reviravoltas mais ou menos surpreendentes, que colocam os eventos anteriores sob uma perspetiva diferente. O enredo não é excessivamente complexo, mas o universo é tão fascinante que há muito espaço para desenvolvimentos interessantes, e a experiência emocional está sempre em primeiro plano. Isso aplica-se tanto ao fio condutor como às missões secundárias individuais, nas quais por meio de pequenas decisões, acabamos por estar diretamente envolvidos no destino dos personagens.
Embora a história seja um dos pontos fortes deste jogo, e esse seja já um ponto conhecido para alguns jogadores, é preciso referir mais alguns detalhes que parecem ter ficado parados no tempo. NieR Replicant ver.1.22 acaba por ser bastante antiquado quando se trata da encenação, e mesmo que algumas das cutscenes mostrem imagens impressionantes, fora delas, os personagens muitas vezes ficam estáticos enquanto clicamos nas falas de diálogo, uma por uma. Não é possível deixar as conversas correrem automaticamente, o que se pode tornar entediante ao longo do tempo.
Em contraste com o jogo original de 2010, os diálogos são agora totalmente narrados, em inglês e opcionalmente em japonês, o que melhora muito as conversas. Infelizmente, os desenvolvimentos narrativos não melhoram grande coisa com esta função, e parecem estranhamente precipitados, uma vez que quase todas as discussões são resolvidas em poucos segundos. Os personagens parecem aceitar os temas mais terríveis muito rapidamente. Será um excesso de positivismo? Não sabemos, mas achamos que pode tornar-se um pouco incomodo a ausência de emoções mais profundas ou duradouras. Outro detalhe curioso, mas nem por isso positivo, são as legendas. Se optarmos por não utilizá-las de todo, estas também desapareçam nas partes faladas em línguas fictícias. Por muito poliglota que alguém possa ser, existem limites!!
Som Dramático
A nível musical, não podíamos esquecer a famosa banda sonora de Keiichi Okabe, que pode muito bem ter feito o trabalho da sua vida para NieR. Quase todos os momentos são acompanhados por melodias assustadoras, que pertencem tão claramente a NieR como poucas em outros jogos. Muitas músicas são acompanhadas por canto, tornando a aventura uma ópera sublime. Algumas cenas talvez só sejam memoráveis graças às composições, e muitos personagens só pareçam fortes por causa delas. Quase como em Star Wars. Sem John Williams também seria ‘apenas’ uma boa ficção científica, e não o sucesso icónico que acabou por ser.
Embora seja a mesma banda sonora do original, é notória a adaptação que foi conseguida para esta versão 1.22 de NieR Replicant. Certas variações e transições suaves complementam-se de tal forma que as novas melodias encaixam ainda mais na ação, e mesmo as que parecem iguais, pelo menos apresentam uma melhor qualidade.
Para além do Remake
As vozes e a música foram ligeiramente expandidas e melhoradas, mas o que mudou para além disso? Como já referimos, Taro e a própria Square Enix evitaram sempre os termos remake e remaster (ou remasterização), e neste caso por um bom motivo.
Mesmo que estes termos não estejam claramente definidos no universo dos videojogos, o novo NieR não corresponde a nenhum dos dois. De certa forma, este ainda é o mesmo jogo! A configuração dos cenários vem do original, e é por isso que as áreas conhecidas ainda estão separadas umas das outras com seções de pausa para carregamento. Até as cenas pré-renderizadas são basicamente como antes.
No entanto, todos os personagens foram adaptados ao estilo do seu sucessor Nier:Automata, e desta vez o personagem principal não é o pai de Yonah, mas sim o seu irmão. Como dissemos ao inicio, este já era o caso no original japonês, e tínhamos alguma curiosidade acerca desta mudança, uma vez que foi exclusiva para o Japão. A diferença acaba por ser muito menor do que imaginávamos, talvez por existir tanta ligação emocional aos companheiros do herói, e menos ao protagonista em si.
Outra das inovações, é a que obviamente mais salta à vista – os visuais! Por mais que a estrutura original possa ter sido mantida inalterada, a Toylogic conseguiu adaptar o grafismo aos dias de hoje. O que costumava parecer papel de parede monocromático, é agora uma arte na sua plenitude, na versão 1.22, e onde um padrão de cor uniforme representava o solo, existem agora pedras, relva e lama. A água tem movimento, os efeitos mágicos são muito mais fáceis de ver, e talvez mais importante, tudo funciona a 60fps e sem quebras! Tecnicamente, o novo NieR pode não ser o melhor jogo que já vimos, especialmente porque a resolução de muitos objetos não parece muito detalhada, mas ainda assim, é uma aventura moderna e muito bonita.
Apesar de tudo, as maiores diferenças não estão na aparência, mas sim na jogabilidade, uma vez que a Toylogic acabou por redesenhar uma grande parte da sensação do jogo. Começa com os movimentos rápidos do protagonista, passa pela mecânica de movimento simplificada, e só se aprofunda realmente no sistema de combate. Todas as armas, magias e movimentos do original ainda estão presentes, só que agora tudo parece tão suave quanto em Automata. Estas melhorias não são de estranhar, já que neste jogo também existe uma mão da PlatinumGames, um estúdio que também trabalhou em NieR:Automata e na série Bayonetta. Com esta evolução, os adversários também evoluíram. Agora são mais velozes, o que nos permite também ser mais rápidos a esquivar-nos dos seus ataques, aparecer nas suas costas imediatamente, e cronometrar melhor os contra-ataques.
Detalhes nos Acabamentos
Com todas as suas melhorias, NieR Replicant ver.1.22 continua a não ser um jogo perfeito. A dificuldade, por exemplo, está algo desnivelada, uma vez que mesmo no nível mais elevado a jogabilidade é bastante facilitada. Mesmo que alguns inimigos sejam bastante resistentes e agora mais rápidos, os seus movimentos tornam-se rapidamente previsíveis e evitáveis. Isto deve-se ao sistema original, mas também em parte à nova jogabilidade, uma vez que certos ataques como as redesenhadas lanças, são tão eficazes que quase não nos apetece usar mais nada.
O mesmo acontece nas lutas com Bosses, que também podem ser feitas de uma forma bastante relaxada, já que os seus ataques podem ser facilmente defendidos ou evitados. Além disso, também demoram algum tempo entre as suas ações, e parecem precisar de recarregar as suas habilidades. Talvez estes sejam mais vestígios do original. Isto faz com que alguns oponentes intermédios representem um maior desafio uma vez que não têm tantas exigências de ação, o que na nossa opinião não faz sentido.
Em troca destes detalhes menos bem conseguidos, as lutas contra Bosses são bem encenadas, e muitas vezes os inimigos não são apenas obstáculos no nosso caminho, mas partes essenciais da história. A variedade é outro fator importante. Podemos resolver pequenos quebra-cabeças, entrar no que parecem ser uma espécie de pequenas aventuras de texto, e jogar em secções com perspetivas de câmera fixa, entre outras. Por isso muitos momentos em NieR não são únicos apenas em termos de narrativa, mas também em termos de jogo, mesmo que por vezes isso faça perder alguma da seriedade da história.
De volta às novidades, parece-nos que a personalização das armas e habilidades mágicas foi bem conseguida, principalmente pela liberdade que nos dá. Das até duas modificações adicionáveis às armas, podemos decidir, por exemplo, por um dano geral superior, ou por um poder de penetração de armadura maior. A recarga de magia também pode ser acelerada, ou será que preferimos receber menos dano de projéteis inimigos? O sistema não é nada de surpreendente, mas funciona bem e permite que adaptemos um pouco mais o nosso estilo de jogo.
Os Elementos RPG
As habilidades também foram integradas de forma correta no jogo. Podemos atribuir qualquer feitiço aos quatro botões de gatilho, bem como as funções evasivas e de bloqueio, e isto dependendo do que precisamos mais em cada situação. Além disso, e como já referimos, a Toylogic expandiu as habilidades mágicas para que os oponentes agora possam ser derrotados ainda mais rapidamente. Isto torna mais simples atirá-los ao chão para finalizá-los com um golpe letal. Talvez fácil demais para alguns jogadores… mas isso é certamente uma questão pessoal. Afinal de contas, não temos de suar para que um jogo possa ser divertido!
Felizmente, NieR não é apenas uma aventura de ação, mas também um RPG, e faz muitas coisas corretas dentro do género. As áreas de algumas seções consistem em muitas salas idênticas nas quais temos de lidar sempre com os mesmos tipos de oponentes, e as quais podemos visitar várias vezes. Com o estilo típico de repetição de tarefas, NieR ainda exige algum puro ‘trabalho árduo’. Tirando isso, quase todas as missões acontecem da forma mais tradicional possível. Encontramos o nosso cliente, eliminamos um conjunto de inimigos ou recolhemos o objeto pretendido, e voltamos para finalizar a missão. Não existem grandes animações especiais para este fim, mesmo quando vários dias passem entre o início e o fim de uma conversa. Alguns NPCs comerciantes não estão apenas ligados às compras, mas também têm pequenas histórias. O facto de alguns personagens não atribuírem missões diretamente, indicando-nos alguém à procura de ajuda, serve para criar um ambiente um pouco mais realista.
Para além do combate, também podemos caçar, pescar e plantar vegetais, para depois vendermos o fruto do nosso trabalho por algum dinheiro, funções abituais no génerop RPG. Esses fundos podem depois ser usados para comprar armas e outras coisas que necessitemos, nos vários vendedores do jogo. Estas não são tarefas obrigatórias, mas tornam o mundo mais completo, e sempre aumentam a longevidade do jogo. Por fim, mas não menos importante, todo o ambiente consiste em pequenas seções separadas por ecrãs de carregamento, onde felizmente são apresentadas de forma coerente, e na qual as áreas adjacentes realmente parecem estar conectadas umas às outras.
Veredito
NieR Replicant já era um bom jogo para a sua época, e a versão 1.22474487139… não o piorou de forma alguma. Mesmo que nem sempre seja excelente em termos de mecânica de jogo, uma vez que muitos processos são demasiado monótonos, o estilo narrativo às vezes é antiquado, e a maioria das lutas não é exigente o suficiente, a verdade é que continua a ser divertido, e isso por vezes é o que mais importa. NieR é composto por muitos elementos, que por si só não significariam uma aventura emocionante, mas na sua totalidade, tornam-no numa boa experiência.
Os originais oponentes, mas também as frequentes mudanças de perspetiva de câmera, as secções de plataformas, ou as passagens ao estilo de aventura de texto, formam muitos momentos especiais, principalmente porque tudo isto acontece num mundo que parece talhado para os personagens únicos de Yoko Taro. Para além disso, a Toylogic não se limitou a modernizar o original tecnicamente, e apesar das fraquezas já mencionadas, NieR Replicant melhorou muito em termos de jogabilidade. O acelerado sistema de combate só por si já é uma vantagem em relação ao original, sem falar nos cenários finalmente contemporâneos com imagens a 60fps, novas habilidades e personalizações, e até ligações extra a Automata.
Acima de tudo, NieR ainda vive dos personagens únicos, extremamente humanos e fortes, da mente criativa de Yoko Taro. Eles são os protagonistas de uma história sinuosa, que é transportada por uma banda sonora marcante e adaptada para os grandes momentos de emoção. Se já ficaram gravados na memória de muitos jogadores há onze anos atrás, com esta nova edição, estão agora mais prontos do que nunca para serem revividos pelos mais saudosistas, ou conhecidos por novos jogadores.
[Análise baseada na versão de NieR Replicant ver.1.22474487139… para a Xbox One, gentilmente cedida pela playandgame.pt]