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Quando Markus “Notch” Persson lançou a primeira versão alpha de Minecraft, em 2009, não poderia imaginar no enorme fenómeno que estava prestes a criar. Desde então, a saga já vendeu mais de 200 milhões de unidades, e já chegou praticamente a todas as plataformas de jogo possíveis, incluindo o mais modesto Raspberry Pi.

Em 2014 a Microsoft avança com a compra da Mojang, o estúdio que desenvolveu o Minecraft, uma operação que envolveu cerca de 2,5 mil milhões de dólares e deixou toda a comunidade de jogadores em alvoroço! As teorias do fatalismo e especulação negativa anunciavam o fim do icónico jogo – agora, nas mãos da Microsoft, o modelo de negócio seria certamente revisto para o lucro agressivo, em prejuízo do desenvolvimento sustentado que a Mojang tinha habituado a comunidade. No ano seguinte, em 2015, surge uma edição específica para PC, Minecraft for Windows 10, que viria a comprometer a licença vitalícia atribuída aos detentores do jogo oficial, e que garantia o acesso gratuito a todas as edições e atualizações para sempre. Em 2018 a Microsoft resolveu anular esta licença, permitindo que os jogadores que tivessem comprado o Minecraft até essa data pudessem migrar para a versão Windows 10 gratuitamente, algo que, depois de abril de 2020, só seria possível comprando o jogo novamente. Esta estratégia da Microsoft leva a crer que irá investir novas atualizações na sua edição específica para PC, em detrimento das outras edições que, por motivos de capacidade tecnológica, serão provavelmente descontinuadas ou substituídas.

Na tentativa da Microsoft aproveitar a popularidade do IP Minecraft para diversificar o portefólio de produtos que utilizem o mesmo lore, criou os spinoffs Minecraft Story Mode e o Minecraft Earth, mas a chegada de Minecraft Dungeons, um dungeon crawler clássico para PC, PS4, Switch e Xbox, parece ser o inicio de uma nova fase.

Fora do habitual estilo sandbox, e longe do mundo aberto que popularizou a série, será que a magia das caixas, e o aspeto mais colorido característico do Minecraft, brilha da mesma forma, seja qual for o género e a plataforma? Para descobrir a resposta a esta e a outras questões, esquecemos a picareta por uns momentos, e pegamos apenas na nossa espada, para explorar as masmorras cúbicas e infernais deste Minecraft Dungeons.

Minecraft Dungeons

Minecraft Dungeons

Resultado de um trabalho conjunto entre os estúdios da Mojang e da Double Eleven, chega-nos Minecraft Dungeons, um dungeon crawler ao estilo de tantos outros, como as sagas Diablo e Torchlight. Talvez possa parecer um pouco injusto comparar este jogo a alguns dos maiores clássicos do género, mas a verdade é que a proposta da Mojang é em tudo semelhante à desses grandes nomes. Em Minecraft Dungeons somos convidados a explorar as masmorras geradas de forma aleatória, combater inimigos diretamente saídos dos livros de ficção, e recolher todos os loots que conseguirmos encontrar. Até o estilo de jogabilidade, notoriamente inspirados nos hack and slash, torna inevitável este tipo de comparação.

A ideia base do Minecraft é a exploração, uma característica que podia encaixar no estilo dungeon crawler com inovações interessantes. Na verdade, as ligações diretas ao lore do Minecraft acabam por ser muito poucas, tendo em conta o manancial de objetos, mundos e construções que estão presentes por todo o universo Minecraft. Para além do estilo visual, existem pequenas referencias a villagers, animais e alguns inimigos icónicos. Sem possibilidade de algo mais a interação é limitada à simplicidade de opções que o jogo apresenta, ou seja, eliminar todos aqueles que se atravessam no nosso caminho.

Masmorras aos Quadrados

Com um grande foco no jogo cooperativo, Minecraft Dungeons permite que um grupo de até quatro jogadores partilhe a experiência ao mesmo tempo, enquanto abrem caminho pelos mapas gerados dinamicamente, graças ao Unreal Engine da Epic Games. Sim! O motor de jogo não é proprietário, nem nada tem a ver com as humildes origens da saga. Até mesmo os níveis, gerados de forma aleatória, são apenas resultado da combinação de alguns elementos pré-definidos, e variam pouco. O mapa de jogo acaba por não ter a profundidade e aspeto massivo que o original nos habituou, por sua vez, incorpora um aspecto mais suave, com visuais discretos e de cores uniformes, que quase fazem esquecer que o jogo é feito de blocos cúbicos. Se a ideia era apelar a um público mais jovem, a aposta resultou.

Minecraft Dungeons
Minecraft Dungeons. Imagem: Mojang Studios

Carregado de algum sentido de humor, o foco do jogo é geralmente sempre o mesmo. A cada nível, percorremos um percurso praticamente linear, enquanto derrotamos grupos de inimigos, até atingir o objetivo final que, geralmente, limita-se a recuperar uma chave ou resgatar alguns villagers. Como extra, existem pequenos segredos para descobrir, normalmente assinalados com pequenas placas que talvez facilitem demasiado essa tarefa.

Minecraft Dungeons parece ter sido criado para ser uma aventura relaxada e tranquila, um facto que por si só, não é mau, mas é pouco comum dentro do género frenético e de ação rápida como são alguns dos mais populares dungeon crawlers.

Além da exploração, Minecraft é sobretudo um jogo de construção, onde a interatividade com o ambiente é estimulada com a possibilidade de utilizar todos os elementos para uso do jogador. Aqui, também Dungeons difere do seu ‘patriarca’. Além de simples interruptores e carros de minas, pouco ou nada é interativo neste jogo. Não existem elementos destrutíveis, muito menos podemos construir seja o que for, algo impensável tendo em conta as características da franquia. Parece-nos uma oportunidade desperdiçada, especialmente porque teria sido relativamente fácil de implementar e desculpas não faltam tendo em conta a mecânica da jogabilidade.

Simplicidade de Movimentos

Entre as pequenas missões, que duram cerca de 15 minutos, os jogadores podem juntar-se em pequenos campos que servem de ponto de encontro entre os heróis. Aqui, podemos vender o equipamento recolhido, comprar equipamento novo com encantamentos aleatórios, escolher a próxima missão, e até treinar contra inimigos de teste. Fora a notória obsessão pela ‘aleatoriedade’, também aqui as referencias ao Minecraft são pequenas. Não existe nenhum sistema de crafting por elementos, algo tão característico da série, nem mesmo nenhuma zona de construção ou “base” do jogador. Tanto potencial e conteúdo original desperdiçado, deixa-nos algo confusos!

Parece que Minecraft Dungeons tentou manter-se o mais simples possível, mas talvez tenha exagerado um pouco em alguns aspetos. Os dois DLCs, Jungle Awakens e Creeping Winter, incluídos nesta Hero Edition que testamos para a PS4, tentam completar um pouco algumas das falhas que apontámos, introduzindo novas missões, novos itens e até villagers mercadores. Mesmo assim, parece faltar algo mais, e a aventura continua demasiado linear.

O Steve também luta

O sistema de combate é um pouco mais parecido às suas origens, e como tal, também ele bastante simples. Temos à nossa disposição algumas armas de curta distância, e uma opção com maior alcance, à qual podemos recorrer a qualquer altura. Os menus são fáceis de usar, e todas as trocas de itens são muito rápidas. Os punhos, por exemplo, desferem pouco dano, mas são mais rápidos a atingir os inimigos, enquanto as armas que utilizam as duas mãos, como martelos, aplicam mais dano, mas têm uma velocidade bem mais lenta. Não existem skills ou habilidades especiais para cada arma. O sistema de combate resulta apenas de alguns combos e artefactos que conferem poderes extra, e estão limitados a apenas três em simultâneo. Isto coloca Dungeons um pouco distante da complexidade de opções e combinações de outros jogos do género, e limita o seu potencial RPG.

O sistema de armadura é igualmente simples e direto. Se vestirmos uma armadura de caça, apenas recebemos bónus apropriados a essa classe. As vantagens variam pouco, e outros géneros de armadura podem até ativar um pequeno companheiro npc de controlo automático.

À parte disto, existem as habituais poções de vida com um cooldown (temporizador) associado, e uma habilidade evasiva que é rara de utilizar. Obviamente que não esperávamos nenhum sistema cientifico de combate, e até aprovamos parte da simplicidade neste caso, mas não deixa de ser curioso que o Minecraft original tenha quase as mesmas opções de armadura que o seu ‘irmão’ dungeon crawler.

A nível de encantamentos o jogo fica um pouco mais complexo, e existem algumas opções diferentes para escolher, como mais drops, flechas explosivas ou gelo. Os itens podem ser encantados mais do que uma vez, tornando-os cada vez mais fortes, mas também aqui, como no Minecraft original, existe o factor de aleatoriedade, e a sua força varia conforme a sorte.

Os loots estão disponíveis em diferentes níveis de qualidade, com a distribuição entre jogadores a ocorrer apenas quando oponentes especiais são derrotados, ou no final de uma missão. A maioria dos inimigos nem sequer deixa nada para trás, uma consequência do sistema de crafting que não existe. Embora isso fosse esperado, tendo em conta o material original, a verdade é que nada de novo pode ser criado aqui.

Roleplay

O jogo não tem uma verdadeira componente RPG, ou pelo menos na sua forma mais tradicional, como a habitual aplicação de pontos em árvores de habilidades. Tudo se resumo aos itens equipados, e as opções nem são assim tantas, mesmo com os dois DLCs instalados. Tudo foi pensado para ser simples e direto, e muito focado em partidas casuais entre amigos. Como já referimos, esta simplicidade não é negativa quando justificada, embora neste caso, a ausência de mais alguns elementos parece-nos apenas dever-se à falta de orçamento e/ou esforço extra do estúdio.

A campanha pode ser completa numas modestas 5 a 6 horas (apenas jogo base), um feito que apenas desbloqueia a repetição em dificuldades superiores. Para compensar, a história pode ser jogada em co-op online ou local, uma vantagem que apenas alguns jogos do seu género apresentam. Uma boa função é a clonagem de personagens, uma opção que possibilita que amigos possam jogar juntos de forma imediata, mesmo que nunca possam trocar itens entre si. Infelizmente, não é possível jogar num modo misto entre o co-op online e o local. Ausente ficou também um sistema de matchmaking e um modo PvP que colocasse frente-a-frente jogadores reais para testarem as suas habilidades.

Veredito

Minecraft Dungeons é um hack and slash, do género dungeon crawler, e por isso não era previsível que tivesse complicados sistemas RPG, nem um complexo sistema de combate. O foco na simplicidade resulta numa experiência relaxada, perfeita para juntar a família em co-op ou os amigos em online e passar algumas horas em convívio no sofá. Testámos este divertido jogo inspirado no universo de Minecraft na versão para PlayStation e, tendo em conta o estilo de jogabilidade que promove a socialização, concluímos que esta é a plataforma perfeita para este jogo.

Este não é um jogo Minecraft na sua essência, nem incorpora as funcionalidades básicas do jogo original. Aqui, não é possível destruir, construir, nem evoluir. Além disso, os poucos itens equipáveis e a repetição de objetivos, tornam o jogo muito simples na sua conceção. As características que o tornam tão simples, acabam por ter o seu preço a nível de longevidade e profundidade, e comparativamente a outros jogos do seu género, Dungeons fica bastante aquém do desejado para os verdadeiros amantes dos hack and slash e dos RPGs, e provavelmente também dececiona os jogadores de Minecraft. Ao contrário do que esperávamos, o universo Minecraft não traz grandes valores ao jogo, para além dos divertidos visuais, os inimigos icónicos da série e a rapidez da jogabilidade. Por estes motivos, na nossa opinião, a simbiose entre géneros podia ter sido muito melhor aproveitada, mesmo mantendo a sua simplicidade.

Posto isto, Minecraft Dungeons destaca-se principalmente pela sua forte componente cooperativa. Este não é um jogo de Minecraft, é uma aventura inspirada no universo de Minecraft, para jogadores de todos os níveis de experiência, idades e motivações. Capaz de colocar até quatro amigos a lutar pelo mesmo objetivo e sem qualquer fator competitivo, o ambiente mais relaxado que consegue criar torna-se na sua maior força e uma novidade para o género.

[Análise baseada na versão do Minecraft Dungeons: Hero Edition para PlayStation 4, gentilmente cedida pela Ecoplay]