O universo de Metro recebeu uma nova expansão com o lançamento do novo Metro Exodus, um jogo inspirado no sucesso de Dmitry Glukhovsky, jornalista russo e autor de várias obras sci-fi. Uma das mais conhecidas, a saga Metro, começou a escrever aos 18 anos, tendo publicado a primeira história no seu site em 2002, com o título Metro 2033, que recebeu muitos elogios e uma grande exposição mediática. Em 2005 foi publicado em livro por uma editora prestigiada, tornando-se um bestseller nacional. Mais tarde, em 2010, foi adaptada para o mundo dos videojogos, com o surgimento do primeiro jogo com o mesmo nome. Metro 2033 iniciou a aventura de Artyom, o herói russo que acreditava haver vida para além do holocausto nuclear. Numa altura em que o estilo de mundo aberto e os universos online parecem ser uma tendência, será esta a oportunidade para a 4A Games, o estúdio responsável pelo desenvolvimento de Metro, se afirmar como uma produtora de videojogos de topo? ou a pressão será demasiada? Acompanhamos a aventura do jovem Artyom, através de uma Rússia pós-apocalíptica, para descobrir tudo o que Metro Exodus tem para oferecer.
UNIVERSO METRO
A saga Metro chegou ao mundo dos videojogos em 2010, ano em que foi lançada a primeira edição com o nome Metro 2033, um jogo FPS de sobrevivência desenvolvido pelo estúdio Ucraniano 4A Games e publicado pela THQ. A história decorria nas ruínas de Moscovo, no seguimento de uma guerra nuclear que obrigou os sobreviventes a refugiarem-se nos túneis abandonados do metro da capital russa. Neste jogo controlamos Artyom, um jovem que tenta desesperadamente salvar a estação onde vive das ameaças constantes deste novo mundo.
Metro 2033 recebeu críticas muito positivas, tendo sido elogiado pelos seus elementos de terror, ambientes detalhados e história atraente, no entanto apresentava algumas falhas, especialmente na inteligência artificial, erros na jogabilidade e muitos problemas gráficos.
A primeira sequela chega em 2013 com Metro: Last Light, desta vez publicado pela Deep Silver, e distribuído pela Square Enix. Nesta continuação, Artyom tem a tarefa de encontrar os misteriosos Dark Ones. Para isso deve explorar as diferentes partes da gigantesca rede de túneis do metro de Moscovo, aventurar-se na superfície com uma atmosfera de gases radioativos, em pequenas missões paralelas, enquanto luta contra diferentes fações e monstros mutantes. O jogo melhora as várias mecânicas da primeira edição e introduz elementos como a personalização de armas.
Metro: Last Light foi bem-recebido pela critica especializada, elogiado principalmente pelos seus visuais, mas criticado pelas suas sequências demasiado lineares. Tivemos de esperar até 2019 para viver a terceira aventura de Artyom, com o anúncio do lançamento de Metro Exodus.
METRO EXODUS
Vinte e cinco anos depois da Grande Guerra, chega finalmente o dia em que o abrigo subterrâneo é aberto, dando a conhecer o mundo exterior hostil e radioativo. Equipado com um medidor de radiações no braço, o nosso herói aventura-se pelo desconhecido à procura de sobreviventes! Podíamos estar a falar de Fallout 76, mas desta vez estamos a descrever o inicio de Metro Exodus, a saga pós-apocalíptica onde somos postos à prova durante um inverno nuclear, em plena Rússia. Se Fallout 76 parece ter ficado aquém das expetativas dos fãs, será que Metro Exodus vem colmatar aquilo que o jogo da Bethesda não conseguiu atingir? Esperemos que esta análise responda à pergunta.
É gratificante finalmente poder deixar de forma definitiva os subterrâneos perigosos do metro de Moscovo, e ver a paisagem cuidadosamente projetada das planícies inundadas pelo rio Volga, explorar as casas parcialmente afundadas em plena luz do dia e as ruínas de uma cidade devastada pela destruição da guerra.
Há de facto alguns momentos visuais em Metro Exodus que nos fazem suspirar, especialmente quando olhamos para a paisagem que nos rodeia. Esta parece estranhamente idílica, apesar de toda a devastação atómica que sofreu. Quando, de repente, um monstro mutante do rio salta de boca aberta sobre nós, ou pequenas aranhas rastejam ao longo do nosso braço, sentimos o que seria viver naquele mundo desolado e transfigurado.
Embora não tão detalhado como Uncharted 4 ou Shadow of the Tomb Raider, especialmente na qualidade de algumas texturas, e animações rígidas durante os diálogos, Metro Exodus apresenta um bom nível gráfico na maioria das situações. Ainda assim, é uma pena que a qualidade gráfica varie tanto ao longo do jogo. A ausência de pegadas, movimentos mecânicos e uma física por vezes irreal, enquanto esperamos que carreguem os ambientes ao longo do mapa, são pormenores que estragam a pintura de um jogo que podia ser genial.
No ponto de vista mais técnico, o diretor soube introduzir nos momentos certos alguns problemas para enfrentarmos. Além da já conhecida componente de sobrevivência, este shooter na primeira pessoa incorpora também elementos de horror, sci-fi e furtividade. As falhas de energia ou os problemas de oxigénio que temos de contrariar, utilizando por exemplo a máscara de oxigénio, que apenas nos é útil por um tempo limitado, surgem em momentos mais ou menos aleatórios, e tornam a experiência mais emocionante. Nesta mistura labiríntica de géneros, a 4A Games explorou de forma muito positiva uma das suas principais competências, a construção da jogabilidade.
UM SILÊNCIO ENSURDECEDOR
Tão forte quanto a mudança de cenário entre a neve e o deserto, e entre os mundos subterrâneo e o exterior, é a mudança de design do próprio jogo, que também flutua… ao extremo. Até mesmo a cena de abertura, que embora seja apresentada com um conceito interessante, descreve a história algo apressada e sem explicar alguns pormenores que serão importantes para compreender todo o enredo. O diretor não conseguiu iniciar esta aventura de forma convincente. A introdução foi supostamente inspirada no Metro 2035, o quarto livro de Dmitry Glukhovsky, mas aqueles que conhecem a obra original encontrarão apenas pontos vagos de contacto, e nem mesmo a abordagem de relações, locais visitados, conflitos ou linhas de enredo parecem semelhantes. Além disso, é difícil identificarmo-nos com Artyom, o herói silencioso que apenas podemos ouvir nas breves secções do seu diário, sendo de resto uma personagem muda durante o percurso do jogo.
Claro que ouvir Artyom não seria completamente necessário para uma boa experiência de jogo, mas, neste caso, acaba por se revelar uma personagem pouco interessante, principalmente porque a história não tem uma base sólida que justifique as suas motivações. Quem nunca jogou ou leu Metro deve ficar ainda mais confuso.
Até agora Artyom era um ingénuo sonhador, que acreditava na existência de uma grande civilização na vastidão da Rússia destruída. De repente, um comboio passa, e todos os personagens que ainda eram forasteiros ou traidores, entram a bordo, e tornam-se uma equipa?! Algo difícil de compreender!
O relacionamento de Artyom com Anna é algo que mais uma vez não foi explicado. Embora justifique parte da hierarquia da tripulação, já que Anna é filha de Miller, o líder do grupo Rangers, é difícil aceitar que Artyom seja, de repente, um comandante militar capaz de abater ou imobilizar dezenas de inimigos, mas incapaz de dar uma ordem, linha orientadora ou o quer que seja à sua equipa. Não existe em todo o jogo a possibilidade de o fazer. Artyom acaba por ser um comandante que obedece às ordens de todos menos dele próprio. Até mesmo a preocupação constante de Anna pelo seu bem-estar acaba por desgastar a nossa paciência. Artyom, Artyom, Artyom, Artyom, são inúmeras as vezes que o nome do nosso protagonista é repetido por todos os personagens. Chegam a repetir 3 ou 4 vezes o nome na mesma frase, “Artyom estás bem? Artyom ainda não morreste? Artyom faz isto e aquilo, Artyom!”. Mas nem em todos os diálogos acontece esta repetição. A verdade é que os diálogos chegam a ser longos e muito frequentes, por tudo e por nada. Muito fala Anna durante todo o jogo. Questões disto e daquilo que preferíamos que guardasse para ela própria.
Quando em grupo, é normal ouvirmos todos a falar ao mesmo tempo, o que por si só até parece divertido, mas também é confuso e prejudica a nossa compreensão da história. Já que não existe localização em português, sendo apenas possível ouvir os personagens num inglês com sotaque russo, a experiência é simplesmente divinal. Muitas palavras chegam a ter uma fonética incompreensível, mas graças às legendas, não é algo que prejudique e até melhora a atmosfera criada.
Não é que faltem diálogos ou situações interessantes, até porque questões como a opressão das minorias étnicas e a exploração de escravos, são temas tocados durante a história. É também interessante a atmosfera criada no comboio, que serve como base móvel da equipa e é batizado como “Aurora”, onde depois de algumas missões bem-sucedidas, podemos encontrar homens, mulheres e crianças a vaguear.
Infelizmente, a história dos vários capítulos é geralmente muito apressada e, acima de tudo, previsível nas suas poucas reviravoltas. As notas de texto esporádicas que encontramos por diversos locais, e os excertos em áudio que ouvimos no inicio de cada capítulo, ajudam a explicar parte do ambiente ou do destino individual de alguns personagens, mas são tão poucos e raros que não chegam para contar uma história completa.
JOGABILIDADE – O LONGO RIO VOLGA
A motivação para jogar Metro Exodus é garantida por um novo design de mapas que, em contraste com as edições anteriores, e talvez inspirados em S.T.A.L.K.E.R. Shadow of Chernobyl, abrem ainda mais as áreas jogáveis. A primeira grande área ao redor do Volga, oferece-nos a possibilidade de explorar uma cidade em ruínas, mas a pé ou de barco os perigos espreitam e a qualquer momento podemos ser atacados por monstros mutantes. Metro Exodus é um grande jogo, com múltiplos mapas do mundo semiaberto que podem ser explorados livremente. No entanto, infelizmente, parece provável que a experiência seja inteiramente solitária. Até ao momento, não foi anunciada nenhuma forma de multijogador online ou local, nem mesmo um modo cooperativo para explorar as planícies russas em pares ou grupos. Isto não quer dizer que Metro Exodus seja um jogo de tiro solitário. Mesmo não sendo acompanhado por outros jogadores, ocasionalmente temos um aliado NPC para ajudar-nos a lutar contra os mutantes, gangues e outras forças hostis no campo russo pós-apocalíptico. Este pode ser um dos vários membros do grupo do comboio, incluindo a esposa do personagem principal, Anna. Ainda assim, cabe-nos a nós a maior parte da luta.
A orientação é assegurada pelo mapa, que pode ser usado como referência a qualquer momento, com a agulha da bússola a indicar o caminho. Também a verticalidade do mapa é utilizável, porque podemos subir desfiladeiros sem necessitar de escadas, para ganhar posições elevadas que, por exemplo, tornam mais fácil evitar ou eliminar inimigos.
A jogabilidade é relativamente interessante, especialmente porque existem perigos variados dependendo da hora do dia. Os bandidos dormem após o pôr do sol e criam menos emboscadas, mas durante a noite mais mutantes e outras criaturas vagueiam pelo mundo exterior, prontos para atacar qualquer coisa que se mova. Uma vez que os inimigos são sensíveis a ruídos, é aconselhado algum cuidado e sempre que possível explorar a furtividade. A mecânica de jogo permite que além da força bruta das espingardas e granadas, também possamos utilizar manobras mais subtis, através de eliminações furtivas, utilizando facas e armas com silenciadores.
Desta forma, é possível escaparmos de um covil de fanáticos religiosos, sem disparar um único tiro, esgueirar-nos ao estilo de ação furtiva clássica, ou destruir fontes de luz, distraindo os guardas ou eliminando-os com golpes pelas costas. Infelizmente também aqui Metro Exodus apresenta alguns problemas. As reações da Inteligência Artificial dos humanos são um pouco fracas, acontecendo, por vezes, os guardas imobilizarem-se uns aos outros.
Mas nem tudo é mau na IA. O único fator que nos impede de avançar tão facilmente no nível normal de dificuldade é a inteligência dos monstros, que pode causar problemas especialmente durante a noite ou quando se movimentam em grupos. Nota-se que houve algum trabalho na construção de comportamentos nestes inimigos difíceis de evitar.
A propósito deste facto, devemos avisar que não existe um sistema de proteção ativo com o pressionar de um botão, apenas nos podemos agachar, mas não rastejar, nem espreitar pelas esquinas. Sentimos a falta deste último movimento, tão típico em jogos de tiro, especialmente durante algumas batalhas, onde seria muito útil e melhoraria toda a experiência.
Existem muitas coisas que temos de controlar neste jogo. Não temos apenas de manter o equipamento limpo em relação à poeira, munição e afins. É preciso também criar filtros para respirar mais tempo e kits médicos a partir de matérias-primas, num estilo que faz lembrar os jogos de sobrevivência. Ações manuais, como limpar a viseira, trocar o filtro ou carregar a bateria, aumentam a sensação de realismo, e são de facto boas ideias.
Mais frustrante é o sistema de salvamento automático, que por vezes nos coloca em situações que são impossíveis de resolver. A impossibilidade de criarmos pontos de retorno manuais, deixa-nos vulneráveis à nossa situação de jogo. Quando temos pouca energia de respiração ou vida disponível, e acontece algo imprevisível que gostaríamos de corrigir, ou simplesmente repetir, torna-se impossível regressar ao ponto de gravação manual anterior. Apenas podemos esperar que a gravação automática nos faça regressar para um ponto anterior à situação que queremos evitar.
NENHUM DILEMA MORAL
É interessante que alguns inimigos humanoides peçam clemencia quando desarmados ou vulneráveis, mas estas situações parecem algo forçadas e artificiais, porque não há absolutamente nenhum dilema moral envolvido. Embora estes mutantes supliquem pela vida, Artyom não tem necessariamente que poupá-los ou matá-los. A dúvida não existe, nem há consequências por qualquer das escolhas. De acordo com a história, Artyom é um herói bondoso, e nenhuma personagem tem algo que ele precise desesperadamente, nem protege nada onde ele ou os seus companheiros precisem de ter acesso. O diretor não consegue aqui nenhum efeito dramático, que aliado a alguma má construção da história, culminam num shooter com quebras narrativas.
Mas muito pior do que este detalhe, é o design do jogo numa área após o Volga. Para evitar spoilers apenas podemos dizer que é repetitiva e muito cansativa, e a cena final deste capítulo coloca tudo ainda mais ridículo, porque depois de tudo o que foi feito neste autêntico banho de sangue, absolutamente nada parece encaixar.
As batalhas nesta secção de Metro Exodus são por vezes tão monótonas quanto os oponentes eternamente iguais, onde muito raramente é necessário utilizar uma tática diferente, do mais básico ‘esconde e dispara’. Mesmo quando aparecem inimigos fortemente blindados, equipados com metralhadoras pesadas, não existe uma troca intensa de disparos, porque estes simplesmente não nos conseguem encontrar, e mesmo sem nos deslocarmos, apenas alguns tiros de pistola são o suficiente para os eliminar, a partir do nosso esconderijo. Felizmente, depois deste capítulo, o jogo oferece-nos uma nova paisagem, desta vez mais para leste, no deserto do Cáspio.
GUERRILHA ENTRE AS TEMPESTADES DE AREIA
Quando uma tempestade de areia é vista à distância e a visibilidade piora, Metro Exodus torna-se novamente divertido. O cenário com os seus solos secos, desfiladeiros e torres de vigia, lembra algo saído da guerra do Iraque.
Esta área é agradavelmente grande, repleta de ruínas e destroços de naufrágios para explorar. Neste ambiente somos forçados a poupar todos os recursos que recolhemos, uma vez que não existem materiais em excesso, em nenhum dos cinco níveis de dificuldade, algo que torna o jogo mais desafiante.
Infelizmente, e em claro contraste com a obra original e as suas muitas fações, no jogo existem apenas monstros e bandidos, cujo líder é o único antagonista da história, constantemente a fazer anúncios pelo rádio. Sentimos que se perdeu grande parte do potencial da história com esta decisão, mas tendo em conta algumas das outras fragilidades do jogo, este nem foi o seu principal problema.
VEREDITO
Confesso que as expetativas por Metro Exodus eram elevadas, especialmente porque incorporava muitas ideias interessantes. Além de trazer um mundo semiaberto, semelhante ao de Shadow of the Tomb Raider, que fazia prever mapas muito detalhados e trabalhados, incluía algumas componentes de Fallout 76, que apesar da enorme legião de fãs da saga, revelou-se aquém das expetativas. Metro Exodus teria então tudo para dar certo.
A 4A Games talvez tenha tentado fazer demasiado, esquecendo por vezes o mais básico. A qualidade desta odisseia russa flutuou de forma tão extrema quanto as zonas climáticas dos vários mapas, revelando-se uma constante de altos e baixos.
Depois de uma entrada no jogo um pouco confusa e desconcertante, foi muito interessante jogar a fase de exploração livre no Volga, antes de experimentar um cenário de ‘Run & Gun’ terrivelmente previsível e primitivo, até poder finalmente respirar de novo no deserto do Cáspio.
É interessante a liberdade que o jogo nos dá em optar por agir subtilmente de forma furtiva, ou ser mais bruto, e entrar de forma explosiva, matando tudo o que se move. Estas opções são, no entanto, por vezes prejudicadas pelas falhas na IA, principalmente em batalhas contra humanos, que pioram a experiência de jogo. A direção acidentada, história previsível e um sistema de salvamento infeliz, são também problemas que afetam Metro Exodus.
Felizmente Metro Exodus é salvo pelos seus aspetos de sobrevivência, paisagens deslumbrantes, jogo de luzes e mudanças climáticas, que tornam o jogo divertido de se jogar. Com uma direção mais cuidada, ou talvez um pouco mais de tempo para limar as arestas, Metro Exodus poderia ter sido um jogo muito mais completo, mas no estado em que nos foi apresentado é um jogo interessante com um enorme potencial pouco aproveitado.
Esta análise foi baseada numa versão para a PlayStation 4.