Sora e os seus amigos estão de volta no terceiro capítulo da popular saga Kingdom Hearts. A história começou há 17 anos, com o lançamento da primeira edição de Kingdom Hearts, tendo sido bem-recebida por muitos dos fãs que ainda hoje relembram as aventuras dos heróis da Disney e da Square Enix. Em 2005 chega a sequela Kingdom Hearts 2, tendo vindo a ser lançados mais sete spin-offs com linhas de tempo e heróis parcialmente alternativos. Apesar destes spin-offs, a comunidade aguardava ansiosamente pela continuação da história principal. Kingdom Hearts III chega finalmente cerca de 13 anos depois de uma longa espera. Esta nova edição promete surpreender os fãs com uma nova abordagem, mais personagens e visuais renovados, além de uma nova história que finaliza a aventura épica de Sora. De acordo com o diretor da saga, Tetsuya Nomura, o novo Kingdom Hearts III foi desenvolvido para responder às expetativas dos fãs da saga, mas também para surpreender e cativar os recém-chegados que descobrem agora, pela primeira vez, o universo de Kingdom Hearts, não sendo necessário conhecer as aventuras anteriores. Tendo em conta que o jogo transporta uma valiosa herança para os fãs mais antigos, além de ser fundamentalmente baseado numa história longa e complexa, certamente esta tarefa não foi fácil.
O FIM DE UMA AVENTURA DE 17 ANOS
Quando a primeira edição de Kingdom Hearts foi lançada em 2002, Tetsuya Nomura dificilmente poderia imaginar que se tornaria numa série tão popular em sete plataformas de jogo diferentes, incluindo dispositivos móveis. Com uma estrutura narrativa tão confusa, apesar dos temas universais, quase é preciso um doutoramento para poder descodificar todo o enredo. O facto da ordem narrativa ser quase completamente diferente da sequência de lançamento das várias edições do jogo, torna a navegação pela ‘selva’ que é Kingdom Hearts ainda mais difícil. Ainda assim, o fascínio que sentimos com a primeira aventura de Sora e seus amigos, em 2002, não diminuiu até aos dias hoje, tendo recebido com grande expetativa esta sequela.
A premissa de conectar heróis e vilões de mundos conhecidos da Disney, como Winnie the Pooh, A Bela e o Monstro, ou Hércules, com personagens de Final Fantasy ou The World Ends With You, é tentadora e tem sido usada de forma convincente. No total, são quase 30 mundos do universo da Disney que se cruzam na história de Kingdom Hearts. Quais exatamente, só mesmo jogando para descobrir.
Se acrescentarmos a todo este já valioso conteúdo, temas gerais como, o medo do fracasso, a amizade, o sentimento de perda ou confiança, temos uma história que se completa num rico conjunto que mistura as icónicas personagens da Disney e Square Enix, com uma história complexa e cheia de emoções.
O QUE IMPORTA É O CAMINHO
Misturar todos estes elementos numa nova sequela, não se adivinhava uma tarefa nada fácil, principalmente quando, segundo o próprio criador, o objetivo era cativar os velhos e os novos fãs da saga. Numa adaptação deste género, existem várias questões óbvias que se colocam. Como se dissolve toda a história? Como vai ser a inclusão das novas licenças da Disney? Como será a progressão das personagens? E o sistema de combate?
Cerca de 40 horas de jogo depois, tivemos a resposta a todas estas questões. Exaustos e um pouco tristes, depois de finalmente derrotar o Mestre Xehanort e a sua organização XIII, no fim do jogo restou apenas um ecrã onde passavam os créditos ao som da espetacular banda sonora. Não saímos, provavelmente à espera de mais. A jornada de Sora acabou, e a nossa viagem com ele também.
Desta vez, Sora levou-nos numa excursão pelos mundos de Hercules, Frozen, Rapunzel, Big Hero 6, Monstros Inc., Toy Story, Piratas das Caraíbas, e muitas mais mapas baseados no universo Disney. Apresentou-nos aos seus leais companheiros, Pateta e Donald, sempre úteis para ajudá-lo contra todos os inimigos, e na maioria das vezes de forma muito inteligente. Mostrou-nos Aqua, Terra e Ventus, que também fazem parte do jogo e que são parcialmente jogáveis.
Durante a aventura, tivemos a oportunidade de conhecer todos os principais antagonistas da organização, lutar lado a lado com o Rei Mickey, ou com o amigo de infância Riku, e descobrir o que aconteceu ao seu alter ego, Roxas.
UMA HISTÓRIA COMPLEXA. MAS CATIVANTE!
A tentativa de continuar as histórias das personagens das edições anteriores de Kingdom Hearts, pode facilmente tornar toda a experiência muito confusa. A solução que a direção de Tetsuya Nomura oferece é plausível no contexto do jogo, e foi bem desenvolvida. Embora por vezes seja um pouco demorada atingir o foco emocional e seguir em frente, a história faz um bom trabalho a conectar todos os diferentes elementos. Esta inteligente interligação é especialmente notória nas secções do universo Disney.
A história, as personagens e o lore da Disney foram significativamente expandidos para incluir as motivações de Sora, dos antagonistas, e da organização XIII, no entanto, integram-se perfeitamente com as narrativas básicas já existentes. Seja sobre o coração frio de Elsa, em Frozen, a questão da “humanidade” do robô de Big Hero, ou o objetivo do Capitão Jack Sparrow, o grande foco é sempre a história central de Kingdom Hearts III. A pensar nos novos jogadores, que não conhecem todo o lore da saga, o autor faz um grande esforço para inclui-los, com um glossário abrangente e constantemente introduzindo explicações básicas que são importantes para entrar na saga, diretamente nesta terceira edição.
Ainda assim, cerca de um terço das alusões ou referências, vão passar despercebidas aos novatos de Kingdom Hearts. Tendo em conta o emaranhado de histórias temporalmente complexo, que foi construído ao longo de quase 20 anos, esta é uma percentagem muito reduzida, que não coloca em risco a diversão de forma alguma.
NEM TUDO É COMO NO CINEMA
Do ponto de vista gráfico, todas as áreas visitadas têm uma coisa em comum, a utilização do motor Unreal Engine, que em termos visuais proporciona uma experiência eficaz e autêntica para todas as licenças (mundos da Disney) utilizadas. Nas secções de Frozen, sentimos mesmo como se estivéssemos a ver o filme. Também nos mundos de Rapunzel, Toy Story, ou Piratas das Caraíbas, a implementação visual foi extremamente bem conseguida.
Do ponto de vista mais dramático, incomoda um pouco que Sora e os seus companheiros, desenhados num estilo de arte mais típica dos jogos japoneses, exagerem um pouco os seus gestos, um comportamento que, pelo contrário, foi reduzido ao mínimo nas personagens da Disney.
Os visuais são atraentes, no entanto, também ficou claro que em relação ao material original, nem sempre foi permitido trabalhar com as vozes ou músicas originais. Nos casos de Buzz Lightyear e de Cowboy Woody, a ausência dos atores Tim Allen e Tom Hanks (vozes das personagens no original em inglês) é evidente, mesmo que os seus substitutos tenham feito um excelente trabalho. O mesmo se aplica a Jack Sparrow, Elizabeth Swann e aos outros personagens de Piratas das Caraíbas.
Quando nos habituamos a ouvir a voz de determinada personagem, esse timbre é demasiado familiar para ignorarmos a diferença, no entanto, e tendo em conta a quantidade de licenças em causa, é um facto que seria de esperar. Em contraste, os segmentos de Frozen, Rapunzel ou Big Hero, foram reproduzidos com as vozes originais, fazendo com que a atmosfera seja ainda mais aperfeiçoada. Por último, mas não menos importante, o actor Haley Joel Osmont (O Sexto Sentido) assumiu novamente o papel de Sora, uma personagem que ele encarnou pela primeira vez há quase 20 anos atrás.
Algo que seria mesmo surpreendente, era conseguirmos ouvir Jack Sparrow ou o Pato Donald falar em português. Infelizmente, a Square Enix, produtora da saga, não consegui introduzir muitas versões localizadas. Na verdade, devido a alguns problemas com licenças em vários países, a edição ocidental do jogo só incluiu a língua inglesa, o que consideramos suficiente e razoável.
A maioria das músicas utilizadas são também já conhecidas. Apenas nas secções de ação, como são exemplo as batalhas marítimas de Piratas das Caraíbas, são utilizadas composições apenas parecidas com as originais. Nestes casos, estas ‘cutscenes’, que podemos sempre voltar a ver no modo cinema, perdem um pouco o brilho, mas não deixam de ser muito divertidas. Como nos seus antecessores, Kingdom Heart III utiliza o típico estilo japonês de contar histórias em videojogos, onde as estas ‘cutscenes’ estão presentes em grande, mesmo grande, número. Os jogadores que não são especialmente fãs deste tipo de ‘cutscenes’ terão de ter alguma paciência com Kingdom Hearts III, uma vez que, embora as secções de ação estejam claramente em primeiro plano, uma parte considerável do tempo total de jogo é utilizado com pequenas animações para construir a história, e podemos sempre saltar as partes que preferirmos não assistir.
JOGABILIDADE INTUITIVA
A jogabilidade prova ser muito cativante, graças aos controlos simples que rapidamente aprendemos durante as lutas, e que fornecem mais possibilidades extra para combos ou ações evasivas, aumentando ainda mais o leque de movimentos. Existem botões específicos para efetuar combos e bloqueios, que podem ser transformados em ‘counters’, se ativados no momento certo. Em adição a estes controlos, temos ainda à nossa disposição um sistema de atalhos, onde podemos configurar três estilos diferentes de luta. Esta é uma opção especialmente útil para invocar aliados de forma mais rápida, ou para aqueles que preferem utilizar a magia como arma.
Dependendo do keyblade equipado (podemos transportar em simultâneo até 3 keyblades, todos eles com características diferentes), e das ações dos inimigos, temos também a possibilidade de efetuar ataques especiais aos elementos que estiverem selecionados por um circulo verde. Este tipo de habilidade não pode ser utilizada permanentemente, mas pode ser intercalada com outras, criando um festival de cor e explosões.
A DIVERSÃO NÃO ACABA!
Além dos combates, há muito mais para fazer em Kingdom Hearts III. Embora as maiores áreas sejam geralmente construídas como um tubo linear, onde nos deslocamos sempre para a frente, podemos encontrar segredos e baús com tesouros por toda parte. Estas descobertas estão dependentes da possibilidade de aplicarmos algumas opções extra de movimento, exemplo disso é o salto duplo, o que torna um pouco mais fácil a deteção de segredos escondidos em áreas como San Fransokyo de Big Hero.
Particularmente interessante são os símbolos do rato Mickey, que podemos fotografar com a câmera do Gummiphone (também usada como um dispositivo multifuncional para o glossário), para desbloquear itens adicionais. Apesar do desenvolvimento de Sora estar algo predeterminado, podemos aumentar um pouco as suas listas de combinações, movimentos evasivos e outras habilidades desbloqueáveis. Baseado num sistema semelhante ao usado em Nier: Automata, Sora e os seus companheiros têm apenas um certo número de pontos de habilidade que podem utilizar, sendo por vezes necessário sacrificarmos uma ou outra opção. Criar ou comprar itens na loja do Moogle também faz aumentar os pontos de habilidade.
Mas não é só aqui que temos a possibilidade de personalizar algumas coisas. Com a ajuda do rato Remy, do filme Ratatouille, da Pixar, podemos confecionar pratos deliciosos em minijogos e até combiná-los em menus completos, que proporcionam melhorias temporárias no status.
O regresso do Gummi-Jet, ou Gummi Ship, e da exploração de áreas espaciais, introduz outro universo onde podemos encontrar muitos segredos e até projetar a nossa própria nave espacial. Novamente, não podemos exceder uma certa quantidade de pontos para os componentes usados, armas, sistema de propulsão, etc, mas mesmo com essa pequena restrição, e com um pouco de imaginação, podemos criar naves muito interessantes. No Gummiphone podemos também jogar vários minijogos, no papel de Sora ou Mickey, com uma ampla gama de diferentes requisitos para jogar. Com todas estas possibilidades, podemos alargar um pouco mais a já generosa longevidade da história de cerca de 40 horas.
VEREDITO
Kingdom Hearts III é de longe o melhor jogo do universo Disney até ao momento. Sendo um divertido RPG de ação, é também uma merecida conclusão para a saga de Xehanort. Nesta edição, a colaboração entre a Disney e a Square Enix atingiu um novo ponto alto, e Tetsuya Nomura fez um excelente trabalho ao tornar o jogo acessível a novos jogadores da série, ao mesmo tempo que criou uma sequela ao nível das aventuras anteriores.
Mecanicamente, o sistema de combate poderia ser ainda mais sofisticado, mas apesar da sua simplicidade, oferece uma subtileza interessante. Com magia, ataques especiais, ataques combinados, bloqueios e contra-ataques, é garantido um alto grau de dinamismo, de modo que os confrontos raramente perdem o seu apelo durante as mais de 40 horas de história principal.
Além de podermos acompanhar a história de Sora, temos à nossa disposição dezenas de horas de jogo extra, que podem ser utilizadas a explorar zonas secretas, viajar com o Gummi-jet ou nos divertidos minijogos no Gummiphone. Kingdom Hearts III é mais do que a soma dos seus elementos, mais do que um mix de franquias de personagens da Disney e da Square Enix. Kingdom Hearts III é uma experiência que nos levou através de uma ampla gama de emoções, e será certamente um dos melhores jogos de ação do ano dentro do género. Com tantas coisas para fazer no jogo, é garantido que qualquer jogador irá perder muitas horas entre lutas épicas, explorar os enormes mapas, e assistir às inúmeras cutscenes que o jogo tem para oferecer. Kingdom Earts III é certamente um jogo que deixará saudades.
Esta análise foi baseada numa versão para a PlayStation 4.