Dreams não é apenas um jogo! É uma oficina de ferramentas que nos permite tornar realidade a nossa imaginação. Neste título, a Media Molecule, estúdio inglês que desenvolveu Dreams, desafia-nos a criar o nosso universo, com as nossas regras e onde a criatividade é o único limite. Mas a viagem até aqui não foi fácil!
Produzido pelo estúdio que criou LittleBigPlanet, Dreams passou por uma longa fase de desenvolvimento, desde que foi inicialmente revelado, no já longínquo ano de 2013, e oficialmente apresentado na E3 de 2015. Depois de tantos anos de espera, e várias fases beta anunciadas (em 2016, 2017 e 2018), foi apenas em abril de 2019 que voltamos a ouvir falar de Dreams, quando o jogo atingiu a fase de “early access”, ou acesso antecipado, nesta que foi também uma estreia deste estilo de desenvolvimento mais aberto para jogos produzidos pela Sony.
Lançado no passado dia 14 de fevereiro, Dreams é um sistema de criação de jogos, publicado pela Sony Interactive Entertainment (SIE), em exclusivo para a PlayStation 4. O jogo permite-nos criar o nosso próprio conteúdo na forma de videojogos completos, recursos 3D, música, arte e até apenas mecânicas de jogo, que podem depois ser partilhas ou alteradas para serem usadas nas criações de outros jogadores de todo o mundo. Com um cumulativo de quase sete anos de desenvolvimento, será que Dreams estará à altura da enorme imaginação dos jogadores? Testámos esta grande sandbox pelo inicio, ou seja, pelo jogo apresentado no modo história – Art, um jogo criado pelo estúdio Media Molecule, que serve como forma de conhecermos o potencial desta poderosa ferramenta de criação de sonhos.
Dreams
Finalmente o sonho tornou-se realidade! Ou quase, porque a atualização já prometida que iria introduzir o suporte VR, e tornar toda a experiência um pouco mais imersiva, só será entregue um pouco mais tarde. Apesar desse pequeno detalhe, Dreams destaca-se principalmente pela enorme lista de possibilidades, e a liberdade que oferece aos criadores. Desde jogos de aventura 3D, FPS, ou até puzzles, tudo é possível neste universo. Alguns estilos de jogo podem ser mais complicados de recriar, mas de forma geral este é provavelmente o editor mais diversificado que conhecemos. Comparativamente, existe também um maior foco na arte e nos ambientes não interativos do que em outros títulos semelhantes, como LittleBigPlanet 3 ou Super Mario Maker 2.
As pequenas obras artísticas produzidas pelos jogadores, sejam elas imagens pinceladas, animações ou vídeos, desempenham um papel fundamental no processo de criação. Todos os elementos podem ser partilhados, alterados e utilizados livremente pela comunidade, desde que com o consentimento do seu criador. O fundo criado por um jogador pode servir de inspiração para outro criar todo um novo mundo, e essa sinergia torna infinito o movimento criativo.
Criações Infinitas
A ideia de que nunca teremos de criar nada verdadeiramente sozinhos, torna a cooperação também um dos focos de Dreams, e serve como motivação para o surgimento de novos criadores. O conceito também é suportado e ampliado pela estratégia de incentivo da produtora, que tem criado eventos e minitorneios para premiar os melhores criadores. A própria PlayStation Portugal organizou recentemente um pequeno evento dedicado aos melhores criadores nacionais.
Dreams apresenta um modo história com um pequeno jogo desenvolvido pela Media Molecule, que fez questão de frisar que este conteúdo foi criado no próprio editor do jogo, um feito algo impressionante. Art’s Dream conta a história de Art, um baixista de uma banda de Jazz que, pela sua arrogância, acaba sozinho, depois de se ter afastado da sua banda, que era muito pequena para as suas ambições. Através de um sonho, Art navega por diferentes universos e fases da sua vida, enquanto procura respostas aos seus problemas internos. Acaba por descobrir que os seus amigos eram mais importantes do que pensava, e percorre uma aventura com o objetivo de reatar relações e refazer a sua carreira.
Entre puzzles e plataformas, Art’s Dream é uma boa surpresa, não só pelo conceito que apresenta, o estilo visual noire interessante, e uma mistura de conceitos que nos leva a querer descobrir mais sobre a história deste músico solitário. Ainda que este pequeno jogo demonstre as capacidades criativas desta incubadora de sonhos, há ainda algumas limitações que, embora compreensíveis, levam-nos por vezes ao desespero. Os puzzles são por vezes repetitivos, e obriga-nos a uma sequência pré-determinada que limita a nossa jogabilidade. Já as plataformas são uma lufada de ar fresco com o seu espírito divertido e de jogabilidade casual.
As campanhas de Sackboy em LittleBigPlanet já eram curtas, mas desta vez, este “sonho profissional” termina depois de apenas duas, a três, horas de jogo. Em troca, a Media Molecule contribui com alguns pequenos níveis adicionais, além de desafios extra.
No entanto, a verdadeira história está no editor, aquilo que realmente define Dreams. Aqui, podemos fazer quase tudo. Se pegarmos numa imagem de fundo interessante, juntarmos umas superfícies, personagens e uma iluminação correta, temos praticamente a receita preparada para um minijogo, e até os efeitos de som podem ser trabalhados no estúdio. Enquanto que em LittleBigPlanets os níveis eram modelados principalmente com objetos representados com adesivos, desta vez expressamos as nossas visões com pinturas, que são posteriormente adicionadas ao cenário.
Movimento Criativo
Todos estes detalhes podem resultar em jogos muito bonitos e interessantes, mas este é também um processo demorado e até cansativo na maioria dos casos. Jogos em 3D dão mais trabalho na sua criação, enquanto que jogos com apenas duas dimensões são mais simples de completar. Aventuras ao estilo Mario, apresentam uma construção muito simples e intuitiva, tanto com o dualshock da PS4, como com o comando move. Para melhorar os controlos em fundos 3D, conseguimos mais precisão com o novo controlo dual stick, que ignora completamente os movimentos do controlador move e facilita a noção de profundidade. Uma adição agradável, que torna o manuseio menos entediante. A melhor opção de movimento é principalmente uma questão de gosto pessoal, pois todas têm as suas vantagens e problemas.
À primeira vista, pode ser esperado que um jogo como Dreams, que apresenta um aspeto visual simples, possa ter um menu de edição fácil e intuitivo, o que não acontece. De facto, demoramos algum tempo até nos habituarmos a todas as opções e submenus. Existem até alguns pequenos truques com os controlos que devemos dominar. Pode mesmo ser um pouco complicado para alguns jogadores começarem a explorar esta autentica caixa de areia, e prova disso é a enorme quantidade de jogos inacabados que pudemos encontrar na biblioteca.
Complexidade Surpreendente
Mesmo um simples salto ou corrida pode exigir algumas horas de atenção no editor, e já nem falamos da possibilidade de aplicar muitas e muitas horas a aprender novos conceitos em tutoriais interativos. Tanto Project Spark, como Little Big Planet, ou Trials Rising Editor, são mais rápidos na criação de experiências, principalmente porque esses kits concorrentes oferecem aos iniciantes mais modelos genéricos e já preparados para começar.
Em Dreams, alguns dos elementos mais rudimentares de qualquer jogo estão escondidos em submenus, e não são fáceis de encontrar. O jogo foca-se mais na utilização de circuitos lógicos e em outros mecanismos complexos, do que na simplicidade de colar apenas objetos. Esta decisão é vantajosa para a criação de jogos mais complexos e interessantes, mas faz aumentar um pouco a curva de aprendizagem para resultados simples. No entanto, outros detalhes, como a clonagem de objetos, foram bem introduzidos.
Não podíamos terminar sem deixar de elogiar a completa liberdade que Dreams dá aos jogadores para partilharem, editarem e jogarem as criações uns dos outros, que, ao contrário de outros títulos, não coloca qualquer limitação. Um verdadeiro sonho para as mentes mais criativas.
Veredito
Dreams dá-nos a liberdade de tornar realidade aquilo que imaginamos. De sonho, em sonho, esta poderosa caixa de ferramentas apresenta-nos uma parafernália de opções quase infinita, apenas limitada pela nossa criatividade. É certo que existem limites, mas entre tanta oferta, será muito difícil encontrarmos um beco sem saída. A verdade é que não utilizámos toda a extensão do potencial de Dreams, ou seriam necessários muitos meses até nos tornarmos criadores experientes, tal a curva de aprendizagem que este editor apresenta, o que pode afastar alguns jogadores, e comprometer o sucesso deste título. Este não é um jogo para os jogadores casuais, e muito menos para criativos apressados. Dreams exige uma dedicação que não está ao alcance dos mais ansiosos. Claro que qualquer pessoa pode ver em Dreams uma plataforma para jogar, em vez de criar, já que existem muitos jogos feitos pela comunidade, com números a subir todos os dias, mas será que basta esta oferta para justificar a compra do jogo?
Dreams, como editor de jogos, estará muito dependente do número de criações de outros jogadores. Uma biblioteca vazia não motiva, nem faz perdurar o jogo no tempo. O sucesso de Dreams irá depender exclusivamente da capacidade da Media Molecule atrair mais criadores, adicionar novos conteúdos, atualizações e até mesmo promover eventos que mobilizem a comunidade. Não será tarefa fácil!
Art’s Dream é uma divertida apresentação que mostra todo o potencial deste criador de sonhos, com vários conceitos e misturas de temas que nos dá a ideia de ser quase impossível de reproduzir. À partida, este minijogo parece-nos algo infantil, o que nos fez levantar questões sobre a profundidade da sua narrativa. Será que Dreams é um editor de jogos para todas as idades? Certamente, o editor exige alguma experiência no uso de ferramentas de criação, já o jogo que o estúdio apresenta como modelo, parece-nos indicar que procuram agradar ao público mais jovem. Esta mistura pareceu-nos algo confusa e sem objetivo estratégico claro.
Dreams acaba por ser uma experiência única na PlayStation 4, não só porque não existe mais nada semelhante, mas também pela liberdade criativa que oferece aos jogadores. A biblioteca partilhável de jogos e conteúdos, foi uma agradável surpresa, não só pela diversidade, como pela simplicidade na partilha de conteúdos.