Days Gone é um jogo de ação e aventura de mundo aberto com elementos de sobrevivência e furtividade, e um ambiente apocalíptico onde a humanidade foi invadida por uma infestação de zombies. Desenvolvido pela Bend Studios, e publicado pela Sony Interactive Entertainment, é um exclusivo para a PlayStation 4, e foi lançado no dia 26 de abril de 2019.
Days Gone
Estamos em 2019, e a tão chamada “moda dos zombies” parece nunca mais querer acabar. Ainda me lembro de em 2010 ver The Walking Dead popularizar esta aparente “moda”, e daí a uns tempos era frequente ver filmes, séries e jogos de zombies surgir por todo o lado, cada um a lutar freneticamente por um pedaço do mercado, tal e qual como verdadeiros zombies a lutar por uma carcaça podre. Irónico, não é? Cada um procurava contar de uma maneira diferente a sua própria história passada num mundo completamente desolado e hostil à humanidade, onde a esperança de um futuro melhor parece meio perdida.
Passados 9 anos da estreia de The Walking Dead, a infeção acalmou um bocado, felizmente, sobrando apenas alguns infetados ainda a vaguear por aí, sendo Days Gone um deles.
Se com esta introdução pareci um pouco cínico ou até demasiado crítico das histórias de zombies, não era de todo a minha intenção. De facto, sou capaz de apreciar que me contem uma boa história independentemente de onde, quando ou em que circunstâncias ela se passa. Dessa forma, não me importo com “demasiados” filmes, séries ou jogos de zombies, desde que a qualidade dessas obras não me desiluda. É por isto que posso dizer que procurei encarar Days Gone de mente aberta, evitando ao máximo julgar este novo título com base em “ser só mais um jogo de zombies a juntar à pilha dos mortos-vivos”. Ainda agora tenho dificuldade em dizer se Days Gone o é realmente ou não. Aquando do seu lançamento, foi um jogo divisivo, tal qual são os meus sentimentos por ele.
História e Personagens
Neste jogo assumimos o papel de Deacon St. John, mais conhecido por Deacon, um motoqueiro, que, como qualquer bom motoqueiro, tem muito apego pela sua amiga de duas rodas. Deacon é um sobrevivente do apocalipse que procura uma vida melhor com o seu amigo Boozer. A ligação entre Deacon e a sua mota é colocada desde logo em evidência, e, de facto, a mota desempenha um papel algo importante, tanto em termos de jogabilidade, como narrativos, ajudando à constituição e definição da personagem de Deacon.
Falei em como Days Gone tinha sido um jogo divisivo para a indústria, e, de imediato, o aspeto que me pareceu mais divisivo neste jogo foi a sua história. A introdução e os seus momentos iniciais não me convenceram muito. Grande parte dos personagens não ressoou comigo da maneira esperada. O diálogo teve bons momentos, como momentos verdadeiramente péssimos, que me davam vontade de puxar os cabelos. E, apesar de tudo isto, tinha a esperança de que algo melhor ainda estivesse para vir, de que a história se conseguisse ultrapassar e verdadeiramente surpreender-me. E, de facto, houve partes das narrativas em Days Gone que me conseguiram agarrar, e me deixaram a pedir por mais.
As missões e a narrativa no geral em Days Gone são divididas nas chamadas storylines, ou enredos. Há enredos correspondentes a arcos narrativos essencialmente relativos às personagens mais próximas do Deacon, e outros mais relacionados com aspetos gerais do mundo. Existe, por exemplo, um arco narrativo relativo ao Boozer, e outro relativo à namorada falecida do Deacon, Sarah. Existem outros relativos aos acampamentos amigos para os quais fazemos missões, outro relativo à desinfestação da ameaça zombie através do mapa, ou à “limpeza” de acampamentos de gangues rivais. É óbvio que numa história em que a personagem principal é um motoqueiro, tinha de haver gangues rivais…
Os enredos têm uma percentagem de finalização, um aspeto de que não gostei muito, especialmente após a proliferação e consolidação dos jogos em mundo aberto, onde alguns títulos deste género têm sido criticados por priorizarem, em termos de jogabilidade, a quantidade acima da qualidade significativa para o jogador. Missõezinhas supérfluas a fazer pelo mapa, demasiados colecionáveis a apanhar por aí, etc. A percentagem que nos é mostrada nos enredos é como se o jogo nos chapasse na cara essa sobreposição da quantidade em relação à qualidade, como se atravessar as missões nessa busca por 100% fosse mais importante do que viver eventuais momentos genuínos que a história nos tivesse para oferecer.
Cada pedaço da história parece como que mais um checkpointzinho a ultrapassar, uma espécie de ‘obrigação’ que ignora o potencial de imersão neste mundo e conhecer de maneira significativa as personagens. Pelo menos, foi isto que senti, ainda que, considerando a narrativa propriamente dita, o jogo procurasse dizer outra coisa, e procurasse, pelo menos, querer parecer significativo.
Dos arcos narrativos apresentados, o que realmente me prendeu mais foi o enredo relativo à misteriosa organização NERO, uma organização médica com uma relação pouco clara e ambígua com as origens do desastre apocalíptico. Como Deacon, somos levados a acompanhar furtivamente os cientistas desta organização à medida que investigam mais sobre os zombies e realizam experiências sinistras sobre os mesmos. Considero este arco um dos pontos altos da narrativa do jogo, principalmente porque se relaciona com a tragédia maior que levou ao mundo até ao estado em que se encontra.
Já o melhor amigo do Deacon, Boozer, nunca me conseguiu convencer muito, e não me surtiu assim tanto interesse em relação às partes da história em que estava envolvido.
A relação de Deacon com a sua namorada, Sarah, foi retratada no jogo através de analepses, ou recuos no tempo, as quais tanto achei de um tom lamechas e meloso, como, por vezes, verdadeiramente genuíno e divertido.
As inconsistências ao nível do estilo que encontrei na história nunca me permitiram uma total imersão na narrativa do jogo. No geral achei a qualidade do diálogo algo fraca, e as cutscenes, apesar de animadas de uma forma muito profissional, sofriam com isso.
Gráficos, Mundo e Atividades
A apresentação visual do mundo de Days Gone está bem executada. As florestas são escuras e profundas, as paisagens são soberbas, e são exponenciadas ainda mais pelo fenómeno de clima dinâmico existente neste jogo. Quando nevou pela primeira vez no jogo fiquei literalmente especado a olhar à minha volta, qual criança que vê pela primeira vez neve, sendo essa definitivamente a experiência que para mim definiu o jogo em termos visuais. Não muito atrás ficam as grandes chuvadas, que me impressionaram pelo seu realismo.
Tratando-se este de um jogo de zombies, grande parte da forma como o jogador perceciona o mundo tem a ver com quão assustadora parece essa ameaça. Os zombies tornavam o mundo particularmente hostil, mas principalmente durante a noite, porque era durante este período que os zombies saíam para se alimentarem, dormindo durante o dia em ninhos de aspeto nojento construídos por paus e fezes. Achei os ninhos uma mudança bastante curiosa em relação à forma como normalmente vemos os zombies retratados nos media.
Uma das atividades para além da história que o jogo nos propunha realizar (e das quais mais gostei) era mesmo exterminar estes ninhos onde eles habitavam. Como os zombies eram noctívagos, este facto originou da minha parte um planeamento em relação a se devia ou não arriscar exterminar um ninho que encontrasse durante o perigo da noite, ou se por outro lado era melhor aguardar e fazê-lo durante a salvaguarda do dia. Para exterminar os ninhos, tinha de os queimar com fogo e lidar com os zombies furiosos que saíssem de lá para me atacar. Se no início lidar com eles e arranjar diferentes formas de os matar (com recursos limitados) pareceu-me bastante divertido, ao fim de algum tempo acabava por ficar algo repetitivo e sem grande espécie de variedade introduzida.
Uma outra atividade que gostava de realizar enquanto explorava o mundo era desbloquear as chamadas estações NERO, as estações médicas da organização de que falei em cima. Desbloquear estas estações era particularmente importante porque permitia melhorar as estatísticas de Deacon de maneira permanente, como Saúde, Stamina e Foco (uma habilidade que permite abrandar o tempo quando se dispara uma arma, para atirar com maior precisão).
Geralmente, estas estações encontravam-se sem luz, e para entrar nelas tinha de repor a eletricidade. No entanto, o método para o fazer consistia quase sempre na mesma tarefa: encontrar o gerador avariado, encontrar um fusível para consertar o gerador e colocar gasóleo no gerador para ele voltar a funcionar. Ao fim de algum tempo, também esta atividade passou a ser repetitiva.
Outras atividades incluíam atacar acampamentos de gangues inimigos, e, tal como no caso da exterminação dos ninhos, inicialmente gostei muito de pensar em novas e diferentes formas de ultrapassar o desafio à minha frente, mas ao fim de algum tempo, também esta atividade começou a tornar-se repetitiva.
Progressão
A progressão no jogo é realizada através de duas formas fundamentais: evolução das estatísticas e capacidades do Deacon, e aumento do grau de confiança com acampamentos amigos.
É possível evoluir de forma permanente as estatísticas de Deacon (Saúde, Stamina e Foco) desbloqueando estações NERO, como já foi referido. Geralmente dava prioridade ao aumento da Saúde, em primeiro lugar, depois Foco, e, por último, a Stamina. Para além disto é também possível ganhar XP com missões, matando zombies, que permite subir de nível, sendo que cada nível corresponde a um ponto para colocar numa nova capacidade de Deacon, em três campos diferentes: Melee, Ranged e Survival. As capacidades Melee incluíam melhorias estatísticas dos ataques corpo-a-corpo, ou então novos movimentos e ataques poderosos. As capacidades Ranged focavam-se no combate com armas de fogo, e as capacidades Survival incidiam sobre aspetos como a coleta de recursos.
Já o grau de confiança para com acampamentos amigos era aumentado através da realização de missões para esse acampamento, mas também através da venda de plantas e carne de animais, e da entrega de bounties, isto é, comprovativos de que tinha matado um certo número de zombies (se matasse 10 zombies, entregaria mais tarde no acampamento 10 orelhas de zombie, que contariam como 10 bounties). Por cada bounty, davam-me dinheiro e aumentavam-me a confiança no acampamento. A partir de um certo nível de confiança, é possível ganhar acesso a novas armas e melhoramentos para a mota.
Este foi um dos sistemas que mais me incentivou a jogar e a explorar. Procurava obter uma nova arma, e isso dava-me motivação para matar mais zombies, ou para encontrar mais plantas, sempre naquela esperança de subir o nível de confiança. À falta de muitos mais incentivos para explorar o bonito mundo de Days Gone, foi esta uma das razões que me fez continuar.
Combate e Furtividade
Achei o combate bastante divertido, principalmente o combate corpo-a-corpo, muito apesar da sua simplicidade. As armas de mão, como bastões, tacos e machetes, tinham um impacto bastante gutural, e eram no geral mais satisfatórias de manusear do que as armas de fogo, que possuíam um coice extremamente elevado e eram exageradamente difíceis de controlar (apesar de sim, ser extremamente satisfatório também enfiar umas quantas balas no crânio dos zombies).
As armas de mão tinham durabilidade limitada, um aspeto que, surpreendentemente, não me frustrou. Era possível reparar as armas com sucata (um recurso) encontrada pelo mundo, o que certamente ajudou. De imediato, comecei a ganhar preferência por uma arma de mão específica (o taco com pregos), e a procurar conservá-la a todo o custo.
Em relação às armas de fogo, era possível ter uma arma principal, uma arma secundária, e uma arma especial. Assim que pude começar a desbloquear mais armas nos acampamentos, de imediato comecei a ganhar preferência por ter certos tipos de arma sempre comigo. Geralmente não passava sem uma metralhadora como arma principal, a qual utilizava para lidar rapidamente com vagas maiores de zombies. Como arma secundária, dava preferência à caçadeira, uma arma mais versátil para encontros de curta distância. E para arma especial escolhia a sniper, para ter melhores hipóteses nos encontros a longa distância.
O combate direto não era realmente a única forma de enfrentar inimigos, existindo a alternativa de ser furtivo. A estratégica que eu geralmente utilizava era esconder-me em arbustos altos e posicionar-me, lançando uma pedra para chamar a atenção de um dos inimigos, colocando-o num percurso ou numa posição que eu pudesse facilmente atacar pelas costas e matá-lo. É um processo que ao fim de algum tempo podia tornar-se repetitivo, mas era altamente eficiente.
Dificuldade e Sobrevivência
Um dos aspetos mais aguardados em Days Gone eram os elementos de sobrevivência que, a par de um mundo perigoso, prometiam ao jogador que este não poderia nunca esperar ter a situação completamente controlada. Isto é verdade, particularmente tendo em conta o que disse relativamente ao facto de a noite ser comparativamente uma altura muito mais perigosa do que o dia. É também tão mais verdade quanto mais elevada for a dificuldade escolhida.
Eu escolhi a dificuldade Hard, mas não senti verdadeiramente essa dificuldade até chegar mais ou menos a meio do jogo, e após ultrapassar vários bosses de dificuldade extrema, onde nem mesmo 50 carregadores de metralhadora fizeram a diferença. A dificuldade foi para mim um bocado desequilibrada neste aspeto. Não me querendo gabar das minhas habilidades enquanto feroz matador de zombies e sobrevivente do apocalipse, durante a maior parte do jogo não senti grande desafio, mas quando chegava à parte dos bosses era um pico de desafio que considerava exagerado, especialmente tendo em conta tudo o que tinha ultrapassado até ali. Possivelmente os inimigos normais, quer zombies ou humanos, deviam ter sido um pouco mais difíceis, ou então a dificuldade dos bosses devia ter escalado mais lentamente.
Já em relação aos elementos de sobrevivência propriamente ditos, tenho a dizer que funcionaram como esperado e que me forçaram (num bom sentindo) a procurar soluções criativas com recursos limitados para os problemas apresentados, e que me incentivaram a utilizar todo o leque de ataques, explosivos e artimanhas ao dispor de Deacon. Com munição limitada, fui incentivado a conservar balas, a não disparar indiscriminadamente, procurando outras soluções que não necessariamente o confronto direto com inimigos (usando, por exemplo, a furtividade).
Com armas de mão de resistência limitada, fui incentivado a fazer com que cada golpe fosse decisivo, e não abusasse da arma antes de a poder consertar ou acabaria partida. Com um número de explosivos muito limitado, não podia simplesmente andar a desperdiçar um dos meus recursos e ataques mais poderosos e versáteis. E tinha no uso de pedras e outros dispositivos, para distrair zombies ou humanos, um dos recursos mais importantes para me fazer valer da furtividade existente no jogo, e desse modo conseguir poupar imensos recursos.
A existência de hordas com zombies na ordem das dezenas era uma situação particular que me fazia reconsiderar completamente a forma como poderia dar uso aos poucos recursos que tinha. De repente, tinha de arranjar forma de uma granada servir para 10 ou mais. A quantidade massiva de zombies presente numa horda, e a estratégia que eu implementada para a derrotar, foram dois aspetos da luta com zombies que me divertiram imenso, e de igual forma me aterrorizaram quando o plano corria mal, com dezenas de zombies imediatamente atrás de mim.
Um outro elemento de sobrevivência importante no jogo é a necessidade de estar constantemente a efetuar manutenção na mota. Frequentemente esta necessitava de gasóleo, e, como nunca podemos trazer o precioso combustível connosco, significava que tínhamos de ter atenção a possíveis sítios a meio do caminho onde pudéssemos abastecer, ou então arriscávamos-nos a ficar a pé, literalmente, porque mesmo que quiséssemos efetuar ‘fast travel’ até ao acampamento mais próximo para atestar o depósito, o próprio ‘fast travel’ requeria gasolina (um aspeto algo realista). Basicamente, ficar preso no meio do nada com a mota sem gasóleo seria uma valente chatice. Felizmente, tal situação só me aconteceu uma única vez, porque tinha o cuidado de meter sempre gasóleo quando passasse por um posto de combustível ou, por sorte, encontrasse um bidão no meio do caminho, que aproveitava para encher sempre o depósito, mesmo que ele se encontrasse a 90% da capacidade. Da mesma forma, procurava sempre encher o depósito antes de sair de um acampamento, para uma nova missão, mesmo que isso custasse constantemente algum dinheirinho.
Para além do combustível, a mota também necessitava de reparação constante. A reparação era feita através de sucata de automóvel (scrap) que se encontrava debaixo dos capôs dos carros, nos edifícios, ou no bolso de algum cadáver humano.
A forma como me sinto em relativamente a estes elementos de sobrevivência que dizem respeito à mota é exatamente igual à forma como me senti para com algumas das atividades do jogo: no início parecia muito divertido, mas ao fim de algum tempo passava a entediante.
Performance Técnica
Comecei a jogar este jogo três dias depois do lançamento, quando a versão de Days Gone já ia na 1.0.6, após várias atualizações de estabilidade, de modo que grande parte dos problemas técnicos pelos quais o jogo foi muito criticado aquando do seu lançamento simplesmente me escaparam. Apesar disso, não posso dizer que a performance do jogo foi perfeita, longe disso.
O problema mais comum, de longe, foram as quebras de frame rate. Aconteciam de vez em quando durante o dia e ainda mais frequentemente durante a noite. Aconteciam quando encontrava uma horda de zombies. Aconteciam cada vez mais à medida que avançava no jogo e prosseguia de zona para zona. Apesar das várias atualizações realizadas até então, este continuou a ser um problema demasiado frequente.
Para além do problema referido, experienciei um único crash, o que acaba por não ser assim tão mau, mas não é ideal, para além de alguns bugs, como corpos de zombies enfiados através de grades, ou a física relativamente inconsistente de um objeto como um bidão de gasóleo. A par destes problemas técnicos, o comportamento da IA no jogo por vezes chegava a ser bastante bizarro.
VEREDITO
Embora marcado por alguns problemas técnicos, por uma jogabilidade algo repetitiva, por uma história com altos e baixos, Days Gone apresenta-nos um mundo que consegue ser tão esplendoroso visualmente, como aterrador pelas ameaças que o habitam, e onde um combate extremamente divertido e elementos de sobrevivência que incentivam à criatividade do jogador, são aspetos que o salvam de ser um autêntico morto-vivo.