Os videojogos são arte? As opiniões sobre o assunto diferem. A minha já está bem formada há vários anos. Não só os considero como arte, como são, de facto, a minha forma de arte favorita, tanto que até me ponho a escrever sobre eles.
Antes de serem arte, contudo, os videojogos são, em primeiro lugar, entretenimento. Se eu jogar 50 partidas de Apex Legends, é provável que, tendo em conta a natureza desse jogo, eu pouco pare para pensar na sua natureza artística, mas é certo que me lembrarei várias vezes do quanto me estou a divertir. No fundo, um jogo ser mais arte que entretenimento, ou o contrário, dependerá sobretudo do jogo em si. Pode haver jogos que procurem simplesmente divertir, e em relação aos quais é mais difícil estabelecer uma opinião sobre o seu mérito artístico. Penso, por exemplo, no caso do Tetris, considerado por muitos como um dos melhores jogos de sempre pela sua engenhosidade e aparente simplicidade, mas com mecânicas tão profundas e fundamentalmente divertidas. Poder-se-ia considerar o Tetris como arte? Então e The Last of Us? Muitos nem pensariam duas vezes antes de o atribuir como arte, citando a impactante e emocionante história, e como esta se relaciona com o mundo do jogo em si e com as mecânicas de jogabilidade e de sobrevivência.
No fundo, se os jogos são ou não arte acaba por ser senão um pensamento curioso que gosto de alimentar, mas que fundamentalmente não importa assim tanto. De que importaria se os videojogos não fossem verdadeiramente arte, se me divirto imensamente com eles, se devoro as histórias e mundos que me são apresentados, se vivo emoções na pele de uma maneira mais interativa do que qualquer outro tipo de media? Pessoalmente gosto sempre de considerar a natureza e mérito artístico daquilo que jogo, e sinto que é uma espécie de elevação a este belo meio, mas também não considero que os videojogos precisem necessariamente do rótulo de “arte” para valerem por si mesmos enquanto experiências completamente únicas, artísticas ou não.
Concrete Genie
Tudo isto para começar a falar de um pequeno jogo que recentemente tive a oportunidade de jogar, e que me fez voltar a ponderar o potencial artístico dos videojogos. De vez em quando tenho aquela experiência que me deixa a pensar, aquela pérola que me arrebata. Falo de Concrete Genie, o mais recente exclusivo da Sony no qual muitos nem sequer repararão. A própria Sony não parece estar a querer dar grande visibilidade ou orçamento de marketing a um jogo que, feitas as contas, é praticamente um Indie, e que não corresponde necessariamente aos moldes em que se pensa quando se ouve “exclusivo Sony”. Eu sei que ao ouvir isso penso logo em grandes produções, como Last of Us ou Death Stranding, jogos que dominam a conversa mediática durante semanas, possivelmente meses.
A verdade é que Concrete Genie não deixa de ser um exclusivo Sony, mas poderia perfeitamente passar por uma produção independente daquelas extremamente experimentais. É um jogo que se atreve a pegar num conceito único e ver até onde é que consegue chegar com ele.
Concrete Genie foi desenvolvido pelo estúdio PixelOpus, publicado pela Sony Interactive Entertainment, e foi lançado em exclusivo para a PlayStation 4 no passado dia 8 de outubro.
História e Personagens
Concrete Genie acompanha a história do pequeno Ash, um rapaz introvertido cujo passatempo preferido é desenhar no seu caderno. Ash vive em Denska, uma vila piscatória sombria que já viu melhores dias. As ruas de Denska são escuras, assim como o mar. As cores dos edifícios desbotaram, os acinzentados dominam a paisagem, que não é, de todo, colorida. Para além de Ash, veem-se outras crianças nas ruas de Denska, que, apesar de tudo, não lhe são amigáveis. São, na verdade, rufias, e um dos primeiros momentos da história é precisamente quando este grupo de bullies rasga o caderno de desenho de Ash, acabando por espalhar todas as suas folhas por Denska.
Como se não chegasse, atiram-no para o teleférico que vai dar ao farol de vila. É aqui que algo de muito estranho, mas incrível, acontece. Ash descobre que os seus desenhos, em particular um boneco/monstrinho ao qual tinha dado o nome de Luna, podem ganhar vida. Não só isso, Ash descobre também que através de um pincel gigante que encontra no farol, pode criar desenhos vivos nas paredes, além de pequenos “génios” que ganham vida. Com estes novos fantásticos poderes, Ash conserta o teleférico e volta para Denska com um novo objetivo: voltar a dar vida a essa vila tão sombria.
A história em Concrete Genie é sentimental e melancólica, com momentos bastante doces e queridos pelo meio. Se por um lado observamos o conflito entre Ash e os rufias, avanços na história revelam detalhes sobre a vida passada de um desses rufias, o que nos permite ganhar empatia com uma personagem que até era suposto desgostarmos. Por outro lado, um outro fio narrativo que é acompanhado na história é o da própria vila de Denska, uma vila anteriormente tão desprovida de vida e sombria, e que ao longo da história ganha vida e cor através dos desenhos de Ash.
Jogabilidade
A jogabilidade em Concrete Genie é composta essencialmente por dois elementos principais: exploração e desenho/pintura. Em termos de exploração, o jogador é convidado a percorrer as ruas de Denska para encontrar páginas do caderno de Ash (que, segundo a narrativa, se teriam perdido quando os rufias lhe rasgaram o caderno). Quantas mais páginas encontrarmos, mais figuras Ash conseguirá pintar.
O jogo não é um mundo aberto, sendo em vez disso constituído por minimapas, ou minizonas, que são espaços relativamente fechados da vila, mas que dentro de si permitem uma exploração semi-aberta. Ash pode subir aos telhados para procurar novas páginas, ou para fugir aos rufias que o perseguem. É também possível fazer slide em alguns fios de eletricidade, entre prédios, o que permite chegar a sítios que não estariam tão acessíveis a partir do chão, e onde podemos encontrar novas páginas do caderno.
Para além da exploração, o outro elemento principal na jogabilidade em Concrete Genie é a possibilidade de pintar as paredes da vila, sendo que esta é, de facto, a principal forma de interação com o mundo deste jogo (o que pode parecer estranho). Para pintar, são necessárias páginas do caderno, obtidas através da exploração. Estas páginas podem incluir desenhos, desde elementos paisagísticos, figuras, “génios” (pequenos monstrinhos que ganham vida na parede), entre outras figuras. Cada página corresponde a um possível elemento na pintura. Por exemplo, se eu encontrar a página referente ao sol posso, a partir de então, pintar o sol nas paredes.
Os génios que são possíveis pintar (após encontrada a página respetiva) são pequenos companheiros de aventura, com poderes especiais que podem utilizar para ajudar Ash. Assim que se encontra a página do caderno referente a um génio específico, é possível pintá-lo, e ele passa a ser nosso companheiro. Existem génios de diferentes tipos diferentes: fogo, eletricidade e vento. Estes poderes servem geralmente para facilitar a exploração por parte do jogador. Por exemplo, algum caminho pode estar bloqueado, mas com o meu génio do fogo, posso pedir-lhe que queime o obstáculo. Por outro lado, se quiser acender um interruptor que me permita desbloquear uma porta pela qual queria passar, posso chamar um génio do tipo eletricidade.
A pintura realizada em Denska com vista a alegrar a vila, não é feita de forma completamente aleatória por Ash. Pela vila estão espalhadas luzes que, uma vez sendo pintadas por baixo, depressa se iluminam. Estas luzes, indicadas no mapa, são basicamente o guia para o jogador saber onde deve ir, ou o que deve fazer a seguir. Numa determinada zona, após tentar explorar todos os telhados e ruas que conseguia à procura de mais páginas do caderno, abria logo o mapa para ver onde ficavam as paredes com luzes nas quais eu teria de pintar.
Em relação ao que se pinta, geralmente são elementos paisagísticos, como flores, árvores, estrelas, relva, etc. Cada elemento, como já foi falado, corresponde a uma página do caderno. Um desenho típico incluiria uma mistura de todos estes elementos, como por exemplo, uma paisagem que envolvesse relva junto ao chão, com algumas árvores, e um sol.
Nem sempre conseguimos aceder a todas as zonas onde seria suposto pintarmos, por estas estarem bloqueadas por algum objeto, ou, então, por “escuridão”, uma substância pegajosa que preenche as paredes e não permite que lá desenhemos. A única maneira de eliminar esta substância é interagir com os génios, brincar com eles, deixá-los felizes, uma vez que assim deitam uma espécie de “supertinta”, sendo essa a única que consegue derrotar a “escuridão”.
Fundamentalmente, é esta a jogabilidade em Concrete Genie. Para alguns, saberá a pouco. No meu caso, eu adorei tanto explorar como pintar as paredes da cidade, simplesmente pelo facto de ser algo tão diferente do que estamos habituados num videojogo “normal”, em que a principal forma de interação com o mundo costuma ser simplesmente diferentes formas de violência. Posso dizer que a originalidade do conceito me chamou mesmo a atenção e me agarrou a este jogo. Mesmo que a jogabilidade seja leve, posso pelo menos afirmar que é extremamente original, e que me senti motivado a também eu tentar ser original no que pintava, mesmo sabendo não ter absolutamente jeito nenhum para a pintura.
Gráficos, Banda Sonora e Performance Técnica
Os gráficos foram de longe o que mais me impressionou em Concrete Genie, principalmente por complementarem tão bem a componente artística que envolvia a jogabilidade. O estilo gráfico do jogo em si já é extremamente agradável e bem executado, mas foi verdadeiramente o estilo dos desenhos e pinturas que eu fazia nas paredes que me leva a considerar este jogo com um dos mais bonitos que joguei nos últimos anos. É tão bonito que não importa a forma como pintamos (e eu pinto/desenho extremamente mal), para que o resultado final seja de uma estupenda beleza. Independentemente da forma como dispomos os diferentes elementos de uma paisagem, é praticamente certo que esta vá sair agradável de um ponto de vista estético.
A banda sonora do jogo é delicada e emotiva, enquadrando-se perfeitamente na narrativa que este jogo pretende transmitir. Enquanto pintamos, toca uma música leve que combina muito bem com o momento, e que lhe confere uma atmosfera relaxante e descontraída.
Em termos de performance técnica, não há nada a apontar. É um jogo pequeno, dividido por várias zonas, também elas de pouco tamanho, de modo que não considero que tenha sido um jogo que puxasse muito pela capacidade da PlayStation 4.
Veredito
Concrete Genie é um jogo com coração de Indie que vai apaixonar quem gosta de videojogos que promovam uma maior expressão artística. Com uma história delicada e uma jogabilidade que apenas peca por ser leve e com alguma falta de variedade, não deixa por isso de ser um jogo extremamente original, e com um estilo gráfico absolutamente soberbo. Não basta pintarmos as paredes da vila de Denska. Concrete Genie transmite uma mensagem de paz e de esperança, enquanto pintamos com cor as ruas que outrora eram escuras e desoladas, ao mesmo tempo que descobrimos o que esconde o comportamento agressivo dos rufias que nos perseguem. Com uma banda sonora ajustada à harmonia do jogo, somos levados a acreditar num mundo melhor, onde qualquer um pode criar a sua obra-prima.
Esta análise foi baseada numa versão para PlayStation 4.