The Walking Dead, a famosa série de banda desenhada teve uma adaptação para a televisão com enorme sucesso, tendo sido também adaptada para os videojogos, com vários títulos inspirados na história original. Em 2012 surge The Walking Dead: The Telltale Series, a primeira de quatro temporadas ambientadas no universo de Robert Kirkman. A Telltale Games, em parceria com a Skybound Entertainment, a editora de banda desenhada fundada pelo criador da saga, lança o primeiro episódio a 24 de abril de 2012, tendo ainda durante o mesmo ano lançado os restantes episódios, completando a primeira temporada com os cinco capítulos que introduzem a história de Clementine num mundo cheio de mortos vivos, perigos constantes e desafios interiores.
Em 2013 a Telltale Games lança um DLC especial que completa a história da primeira temporada. The Walking Dead: 400 Days acompanha cinco diferentes protagonistas, cada um com a sua própria história pessoal, servindo como ponte para os acontecimentos da segunda temporada. Ainda em 2013 é lançado o primeiro episódio da segunda temporada, com os restantes quatro a chegarem já em 2014. The Walking Dead: Michonne, uma minissérie lançada em 2016 pela Telltale Games, é uma aventura standalone com Michonne, a icónica personagem da série televisiva, como protagonista.
A terceira temporada teve inicio com o lançamento dos dois primeiros episódios em dezembro de 2016, recebendo os restantes três episódios no ano seguinte. É já em 2018 que surge a quarta e última temporada da já longa aventura de Clementine. Os dois primeiros episódios, lançados em agosto e setembro, foram os últimos a serem produzidos pela Telltale Games, antes de declarar falência em setembro de 2018.
TWD: FINAL SEASON EP3
Com o fim da Telltale Games, a mais famosa saga da empresa ficou em risco de nunca ser terminada, tendo sido salva pela Skybound Games, um estúdio fundado pelo próprio Robert Kirkman. Com uma equipa formada por ex-funcionários da Telltale, o novo estúdio apressou-se para recuperar o tempo perdido, e embora tenha enfrentado alguns atrasos, conseguiu em tempo útil alcançar um pequeno milagre, e continuar a série com este episódio chamado Broken Toys.
Com uma ligação tão próxima a Robert Kirkman, que considerou importante terminar a história de Clementine, esperamos que o seu cunho pessoal seja também sentido na história, algo que pode significar um estilo um pouco mais sombrio, não fosse o autor ser conhecido por geralmente não oferecer finais felizes.
Não vamos contar-te como termina a história, até porque cada aventura é única e depende das tuas escolhas. Terás de construir a tua história em The Walking Dead: The Final Season Episode 3, no entanto, sentimos que para entenderes esta análise, teremos de introduzir pequenos spoilers sobre os primeiros dois episódios desta temporada. Se não estiveres confortável com isso, salta o próximo capítulo.
PROLOGUE
Nos episódios anteriores de The Walking Dead: The Final Season, a jovem Clementine, agora uma sobrevivente feroz e capaz, atingiu o capítulo final da sua jornada. Após anos na estrada, enfrentando ameaças tanto dos vivos, como dos mortos, é recebida por um grupo de adolescentes que montaram acampamento num colégio abandonado. Neste mundo apocalíptico de ameaças constantes, proteger uma casa significa sacrifício. Clem deve construir uma vida e tornar-se uma líder, enquanto ainda protege AJ, um rapaz órfão e a coisa mais próxima à família que ela deixou.
Se a escola podia servir como último reduto de uma longa caminhada, as coisas acabaram por não ser bem assim. Marlon, o líder do grupo de estudantes, vendeu duas das crianças em segredo a um grupo rival. Uma das crianças desconfia das suas intenções e confronta Marlon com esta acusação. Ao temer ser descoberto, Marlon ataca e acaba por matar quem o acusa. Não tendo justificação para o terrível ato, Marlon tenta incriminar Clementine, mas AJ resolve a disputa ao matar Marlon com um tiro na cabeça.
Este incidente leva à expulsão de Clementine e AJ do grupo, atirando-os de novo para o perigoso mundo pós-apocalíptico cheio de ameaças e perigos ao virar de cada esquina. De novo por sua própria sorte, são forçados a fugir de um grupo de invasores liderados por Lilly, uma personagem que traz más recordações já desde a primeira temporada da série. Clem e AJ conseguem escapar aos atacantes com a ajuda de James, um ex-Whisperer, regressando à escola de onde tinham sido expulsos, para alertar a iminente invasão.
James, o zombie whisperer do segundo episódio, ganha mais importância neste novo episódio. Em vez de uma mera aparição, desempenha um papel relevante na história, e vai revelar as suas razões. Depois de uma intensa batalha, o grupo de estudantes acaba por ser derrotado, e três elementos, incluindo a paixão de Clem (as nossas escolhas determinam quem será esta personagem) são raptados para serem utilizados como crianças-soldado.
A HISTÓRIA
É neste ponto que iniciamos o episódio 3. Clementine, AJ e os restantes alunos da escola, planeiam agora resgatar os seus amigos. O grupo de invasores instalou-se num velho barco no rio, e Clem decide recrutar James, numa tentativa de se infiltrarem no barco durante uma invasão de Walkers provocada pelo grupo. Mas as coisas nem sempre são tão fáceis!
Se o primeiro episódio desta última temporada foi principalmente focado nas personagens, e o episódio 2 ficou marcado por um grande desenvolvimento na construção da história, em Broken Toys podemos assistir a uma boa mistura dos dois. O plano de resgate serve como um impulso para o desenvolvimento da trama, e o capítulo não economiza nos momentos das personagens. O resgate tem um propósito mais abrangente que vai além da construção das personagens. Elaborar um plano para salvar os elementos do grupo, coloca Clementine num papel mais ativo que é muito mais envolvente. Leva-a a uma maior profundidade como personagem e coloca uma meta narrativa que faz avançar as coisas, algo que faltava no último episódio.
A relação entre Clementine e AJ continua a ser o grande foco da história, tão afetiva e emocional como sempre. Este episódio pode revelar que algumas das decisões de Clementine, em episódios anteriores, mesmo aquelas que pareciam ter sido as mais acertadas, possam agora ter consequências menos positivas. Há alguns momentos em que AJ evolui à medida que a trama se desenvolve, e a sua mentalidade assassina continua a ser uma interessante bomba-relógio que pode explodir a qualquer momento.
A forma como Clementine e AJ se relacionam lembra o vínculo que ela e Lee tiveram na primeira temporada, mas a capacidade que o jogo tem em provocar um resultado mais sombrio do jovem AJ, é bem conseguido, e continua a ser um dos detalhes mais importantes da série.
Descobrir se AJ irá ou não transformar-se num psicopata impiedoso, é algo que esperamos que seja respondido no episódio final, e levantar questões emocionais é o que um penúltimo episódio deve fazer. Além do estado mental de AJ, o enredo do jogo também avança, e deixa as personagens numa situação precária. As revelações que acontecem perto do final do jogo, rapidamente aumentam a pressão dramática. É um uso efetivo de um “cliffhanger” (suspense) que dará ao episódio final um potencial ainda maior.
Quase todas as personagens recebem os seus próprios pequenos momentos, desde a agressiva Violet, até ao mimado Willy. Este episódio altera algumas das expectativas criadas nos dois episódios anteriores criados pela Telltale Games. Se antes as opções tomadas durante a história podiam ter consequências positivas ou negativas, desta vez, e talvez em parte pela influência de Robert Kirkman, encontramos momentos um pouco mais sombrios, mesmo que as opções nos pareçam as mais acertadas. As diferenças de tom não se ficam por aqui. Numa das cenas posteriores da história, é até sugerido um final feliz para o universo de Walking Dead, algo que a banda desenhada e a série de TV nunca ousaram sugerir.
De forma geral todos os elementos unem-se para criar uma história bem conseguida, repleta de momentos inesperados e de decisões difíceis. Os últimos minutos deste episódio são tão intensos como os da série de televisão, e a ação, é como sempre, uma mistura de diferentes elementos, ou seja, se num momento somos obrigados a fugir de zombies sem os podermos matar, logo a seguir engendramos um plano para os utilizar como escudo ou camuflagem.
GRÁFICOS/PERFORMANCE TÉCNICA
Visual e tecnicamente, o trabalho da Skybound Games está bastante próximo daquele que a Telltale já nos tinha habituado, ou não fossem os dois estúdios compostos, em grande parte, pelas mesmas pessoas. The Final Season Episode 3 apresenta o mesmo estilo visual das edições anteriores, mas provavelmente, e devido a alguma pressa para o seu lançamento, parece um pouco menos trabalhado nos detalhes. As texturas de baixa qualidade, os problemas de iluminação, e as quedas de frame rate, são um pouco mais comuns neste episódio. Dito isto, as pequenas falhas não são de forma alguma um entrave à jogabilidade, e tendo em conta o complicado processo de produção que este jogo ultrapassou, acabam por ser insignificantes.
O sistema de jogabilidade parece algo apressado, mas apenas quando o comparamos ao estilo aperfeiçoado pela Telltale. Apesar de não ser um FPS puro, os mecanismos de tiro estão bem conseguidos. Broken Toys acrescenta a furtividade ao seu repertório de opções de ataque, que, por vezes desajeitada, vale a pena pela interatividade que adiciona ao jogo. Juntamente com o novo sistema de câmera desta temporada, percebemos que, com mais tempo, poderíamos estar perante um jogo ainda melhor.
VEREDITO
Se lutar contra mortos-vivos enquanto tentamos sobreviver num mundo pós-apocalíptico não é propriamente novidade nos videojogos, a série The Walking Dead, da Telltale Games, transporta-nos para um universo credível e realista, com uma história apaixonante, onde cada personagem revela um processo interno de crescimento enquanto interveniente na ação, algo incomum em jogos do mesmo tema. Sobreviver num mundo selvagem, onde o perigo espreita a cada esquina, e o maior inimigo nem sempre é o mais evidente, leva-nos a ponderar cada decisão, uma vez que as relações humanas são de extrema importância para o nosso sucesso.
Com o afastamento da Telltale Games, após ter declarado falência, seria de esperar que o novo episódio, desta vez desenvolvido pela Skybound Games, não estivesse ao mesmo nível. No entanto, este não é um estúdio qualquer. A Skybound Games, não só é liderada pelo criador da saga original The Walking Dead, como é composto pela maioria dos artistas e programadores que trabalhavam na Telltale Games. Este facto deve ter contribuído para a manutenção da qualidade da franquia. Ainda assim, com o prazo de lançamento já comprometido, o episódio 3 acabou por acusar alguns detalhes menos conseguidos, embora sem afetarem a experiência final.
Clementine, a nossa protagonista, tem neste episódio um novo capitulo da sua vida, onde irá lidar com novos tipos de escolhas, e viver com as suas consequências, enquanto Alvin Jr ocupa, desta vez, um papel mais importante na história, algo que consideramos bastante positivo. A forma como foi desenvolvida a construção das personagens é algo que marca a saga, e este episódio é exímio em demonstrá-lo. Outra novidade neste episódio é a quantidade de momentos de ação, um número bastante superior em comparação com os episódios anteriores, provavelmente pela aproximação do fim da saga, com a consequente obrigação em terminar uma história que já dura cerca de 7 anos.
Um novo ângulo de câmera, por cima do ombro, permite maior liberdade para explorar ambientes detalhados e cenas de combate improvisado, capazes de capturar o medo de viver num mundo dominado pelos mortos-vivos, algo que faz deste episódio de The Walking Dead o mais imersivo de sempre. Também o novo estilo de arte gráfica preta, inspirado na banda desenhada do artista premiado Eisner, traz o mundo de The Walking Dead para a vida como nunca antes, e desta vez com suporte 4K.
Um ponto menos positivo é a ausência de dobragem em português de Portugal. Ainda assim, para quem preferir jogar na língua de Camões, a versão em português do Brasil pode ser uma opção.
The Walking Dead: The Final Season Episode 3 oferece uma experiência emocionante onde as ações e escolhas dos jogadores determinam o curso da história. Com tantos prémios e nomeações já conseguidas, como dois BAFTAs para a melhor história e variadíssimos prémios de Jogo do Ano, não podíamos sugerir melhor jogo para quem gosta de jogos de aventura, mesmo que não seja fã da série de televisão. Jogar The Walking Dead é como ver um filme, mas desta vez o protagonista é o jogador. Sendo um jogo longe das mega produções, a experiência que oferece ao jogador é muito positiva, e a nossa avaliação reflete isso mesmo.
Esta análise foi baseada na versão do jogo para Windows PC. Uma cópia foi gentilmente cedida pela Ecoplay.