Ethan Winters, o protagonista de Resident Evil 7: Biohazard está de volta para mais uma aventura da CapCom. A franquia Resident Evil, conhecida pelos seus títulos de horror e gore, regressa com Resident Evil Village, um jogo de terror de sobrevivência, desta vez longe dos habituais cenários de risco biológico, para uma experiência completamente nova! Três anos depois dos eventos da 7ª aventura (RE:Biohazard), a história de Ethan Winters continua neste Resident Evil Village, ou Resident Evil 8 para os mais distraídos.
O nosso protagonista vive agora com a sua mulher Mia, e a sua filha ainda bebé Rosemary, e desta vez espera poder esquecer toda a loucura da misteriosa infeção fúngica, e da família Zombie que enfrentou em Resident Evil 7: Biohazard. Se o objetivo era fugir da infeção, então foi bem-sucedido, porque estamos perante um Resident Evil (RE) sem Zombies, mas como sempre, as coisas não correm exatamente como esperado.
Depois de um encontro fatídico com Chris Redfield, o nosso herói terá de percorrer uma aldeia cheia de criaturas mutantes, num esforço mortal para encontrar a sua filha que foi, entretanto, sequestrada e também vingar a morte da sua mulher. Ou será que não é bem assim? Teremos de descobrir! Embora o novo Resident Evil Village mantenha alguns dos principais elementos de terror e sobrevivência da série, o jogo adota um estilo de jogabilidade mais voltado para a ação do que o do seu antecessor, e entra em novas temáticas narrativas para a série. De arma na mão e com um gatilho leve, para não desperdiçar a preciosa munição, aventuramo-nos pelos sinistros ambientes deste novo Resident Evil Village. Tenham medo! Certamente vai ser aterrorizador…
Resident Evil Village
Antes de nos aprofundarmos mais, podemos já referir que a aventura de Resident Evil Village é simplesmente uma autentica montanha russa de emoções. Não, não estamos a falar de surpresas no plot, ou dos sustos ao virar da esquina. Neste caso, seja a nível de história, temáticas ou detalhes técnicos, o jogo está repleto de altos e baixos, e daqueles que não esperávamos de todo! É obvio que a Capcom ainda sabe fazer jogos, e que experiência não lhes falta, mas não achamos normal que a qualidade varie tanto ao longo da campanha. Mas vamos por partes!
O cenário ao estilo romeno e a vila magnificamente projetada que podemos explorar, são um dos pontos altos mais imediatos, e revelam um potencial imenso. Tudo parece encaixar bem ao inicio, e quando enfrentamos Alcina Dimitrescu, já um ícone de memes na Internet, e motivo para Cosplays um pouco por todo o lado, vemos um personagem que foi bem construído, e é distinto o suficiente para merecer um jogo próprio.
Não vamos explorar os mods e toda a popularidade que este personagem gerou e que podem ou não envolver os ‘mata-moscas’. Embora possam ser interessantes, e hoje em dia sejam já uma parte integrante da longevidade dos jogos, principalmente no PC (e Skyrim que o diga), testámos esta versão de Resident Evil Village na Xbox Series X, e como tal os mods nem seriam uma opção. Já os mata-moscas são apenas uma piada na Internet, mas daquelas que caíram bem na produtora.
[Vídeo Youtube]
Quando somos perseguidos por esta impressionante vampira de quase três metros de altura, obrigada a curvar-se para passar pelas portas enquanto nos persegue num ritmo apenas ligeiramente apressado, isso cria uma sensação agradavelmente estranha. Sejamos perseguidos pela vampira ou outras criaturas, só conseguimos respitar quando entramos nas salas de gravação, ou seja, aquelas que têm uma máquina de escrever. Estas ‘zonas seguras’, realisticamente seriam impossíveis, mas fazem parte habitual do universo de Resident Evil, e mesmo que quebrem um pouco o ritmo, aceitamos com alguma naturalidade a sua existência.
O restante ambiente, com um cenário barroco, tábuas a ranger, corredores de mármore e armaduras medievais, passagens secretas e cantos escuros, são detalhes criados para o grande horror. Especialmente porque o motor de jogo RE Engine consegue visuais extraordinários, que fazem com que cada quarto pareça uma pintura, e tudo isto apenas numa das secções de um imenso mapa por explorar.
Encenação de Horror
RE: Village consegue entregar alguns bons momentos de terror, mesmo que nem sempre o faça de uma maneira tradicional para a série. Se algumas secções fazem lembrar Resident Evil 4, outras são de um estilo completamente novo. O vento uiva pelos corredores, ouvimos barulhos à distancia, acabamos entre cadáveres e ferramentas de tortura depois de uma queda, ou somos perseguidos por uma das filhas vampiras, com o seu rosto branco que não pode ser ferido com balas. Tudo isto são momentos bem conseguidos, que tornam bastante emocionantes as primeiras horas de jogo. A localização acústica também é importante em algumas lutas onde não podemos ver o inimigo. Até no início do jogo, os estalos e pancadas nas tábuas do soalho e paredes, ajudam-nos a alertar para perigos em alguma das direções, mas que de forma genérica servem para criar um pequeno clima de intimidação.
O facto da história começar tão absurdamente cheia de pontos de interrogação, ou mesmo algumas quebras de lógica, acaba por não ser um problema. Para além da Capcom fazer um grande esforço até ao final do jogo para tentar explicar tudo o que parece inexplicável, na nossa opinião nem seria esperada muita coerência numa historia típica de terror. Neste caso, as desculpas parecem mesmo muito desajeitadas, e talvez preferíssemos que tentassem menos justificar os fenómenos sobrenaturais, como a incrível regeneração do protagonista, especialmente num jogo que já por si é inexplicável.
Ainda assim, o maior problema é mesmo a encenação inconstante, que no começo ainda se mantem calma, mas começa a acelerar sem limites quanto mais avançamos na história. Exemplo disso são as secções com os lobisomens. Sem munição suficiente para os enfrentar, somos obrigados a recorrer à furtividade (stealth), atravessando estas perigosas áreas enquanto eles uivam por janelas e portas, introduzindo a sensação de terror pretendida. Todo este dramatismo faz atrasar a jogabilidade o suficiente apenas para inserir sensações de terror e perseguição. No entanto, mais tarde a Capcom parece esquecer-se completamente que este sistema existe, e rapidamente torna-se inútil. Seja pela morte de personagens, ou diferenças na mecânica da jogabilidade, existem algumas destas mudanças de estilo por completo, que embora façam diferenciar a experiência, seriam mais interessantes se permitissem ao jogador escolher o que quer fazer em cada situação.
Terror Diverso
Estas diferenças abruptas na temática também acontecem na própria narrativa, que salta rapidamente dos lobisomens para o encontro dos restantes bosses da vila. Como quase todos os inimigos, estes monstruosos peludos, que até saltam sobre as casas, podiam ter um pouco mais de protagonismo. Para além da vampiresca Lady Alcina Dimitrescu, e das suas três filhas Bela, Cassandra, e Daniela, existem ainda, a bizarra Donna Beneviento, uma espécie de boneca assassina, o ‘mecha’ Heisenberg, Salvatore Moreau, um mutante centenário, Urias e Urias Strajer, o chefe dos lobisomens, e a Mother Miranda, o suposto boss final. Demasiados? Talvez sejam, uma vez que a Capcom acaba por dar pouco tempo de antena a alguns dos inimigos mais interessantes.
Os fãs de vampiros ou lobisomens não vão encontrar muito aqui, exceto um conjunto de personagens que fazem parte dessa categoria. Não há grande folclore associado, ou algo mais que sirva de backstory para os personagens. Existia tanto potencial extra por explorar, que embora tudo funcione bem neste Resident Evil Village, não podemos deixar de desejar mais.
Jogabilidade Residente
De volta ao objetivo principal, encontrar a filha do nosso protagonista, somos convidados a explorar o castelo, uma das quatro áreas principais do jogo. Cada uma destas zonas é protegida por um dos Bosses que falamos anteriormente, e terão de ser exploradas linearmente para atingir o final do jogo. Existem ainda pequenas zonas opcionais, mas não são um grande destaque na experiência final.
O nosso herói Ethan não é especialmente rápido ou ágil, mas pode correr, agachar-se e ultrapassar alguns obstáculos automaticamente, embora este último sistema nem sempre funcione. A sensação de jogo não muda muito do que já estávamos habituados na série, e a ausência de mais velocidade é notória para evitar que seja ainda mais fácil fugirmos dos inimigos.
Para descobrir todos os segredos, convém mantermo-nos atentos, porque a Capcom escondeu alguns truques entre objetos que brilham, sons e outros tesouros escondidos. Por vezes teremos de usar lockpicks, ou ferramentas como manivelas, para abrir atalhos e caminhos extra, mas sem qualquer minijogo associado, como aconteceria por exemplo na série Fallout ou The Elder Scrolls. Aqui tudo é mais linear nessa vertente, mas nem por isso menos divertido.
A Capcom ainda apresenta um novo mecanismo interessante, que é quase completamente ignorado. Podemos dar uma vista de olhos nos objetos em 3D, que escondem notas ou algo mais para descobrir. Começámos por usar esta função desde cedo, por exemplo, para encontrar algo num chaveiro, mas mais tarde, quase só é usado para combinar chaves ou tesouros. Não percebemos porque decidiram não utilizar mais este interessante sistema, mas isso parece ser um problema recorrente neste jogo. Algo muito interessante é introduzido, para depois a equipa de desenvolvimento esquecer-se que estava disponível. Uma pena!
Felizmente, os controlos são personalizáveis, limpos e diretos o suficiente, e apenas pequenos detalhes foram menos bem conseguidos, como por exemplo, destruir as caixas marcadas em amarelo (caixas de loot). Os quebra-cabeças são muito fáceis de resolver, especialmente porque a combinação pode ser encontrada na mesma sala em cofres, mas também existem bons truques físicos com fogo, alguns quebra-cabeças lógicos e pequenos minijogos com pistas que devemos desvendar. O mapa em constante atualização também ajuda na exploração, porque marca os locais que foram completamente explorados ou portas fechadas, entre outras coisas. A ligação entre cenas também é bem conseguida. Somos capazes de reconhecer pontos já explorámos, mesmo a partir de uma nova zona.
Ethan e a Casa de Bonecas
Se existe algo que podemos apontar, é que o nosso herói Ethan é talvez o menos carismático de toda a série Resident Evil. Até alguns personagens secundários tinham mais emoção que Ethan. Apesar de não o vermos em grande parte do jogo, devido à câmera na primeira-pessoa, ele tem algumas saídas pouco inspiradas em algumas das situações mais marcantes da história, de forma que alguns dos vilões acabam por ser mais marcantes. Pelo menos para nós, Ethan acaba por ser apenas um boneco animado de uma história que funcionava sem ele, e resultava ainda melhor se apresentasse mais emoções.
Por falar em bonecos, por coincidência ou não, a ‘Casa de Bonecas’ é mesmo uma das melhores secções do jogo. (Início de Spoiler) A sequência com cerca uma hora gira em torno de Donna, uma boneca assustadora que vive na aldeia. Entrámos na sua mansão amaldiçoada logo após escapar das garras de Lady Dimitrescu. Se ao inicio tudo parece normal, de repente, as luzes apagam-se, e surgimos trancados numa cave sem todos os nossos itens e armas.
Isto leva ao que podemos arriscar definir como um dos momentos mais marcantes da saga Resident Evil, tanto a nível de mecânica quanto de ambiente. A seção é melhor descrita como um quebra-cabeças ao estilo ‘escape room‘. Há um manequim assustador no centro da sala, que está cheio de pistas e dicas. Somos compelidos a explorar meticulosamente a cave para resolver o quebra-cabeças final que destranca a porta de saída.
Mas claro que nada é 100% seguro em Resident Evil, e Ethan é perseguido por um monstro gigante que vagueia persistentemente pelas salas da cave. Tudo isto culmina numa luta contra um Boss assustador, onde temos de nos esconder enquanto procuramos a saída. Toda a secção funciona estranhamente bem, principalmente pensando que nem é característica da série, mas encaixou aqui na perfeição! (Fim de Spoiler)
Nível Desigual
A partir daqui as coisas não continuam assim tão inspiradas, e sem querermos revelar mais, podemos apenas dizer que os inimigos passam a ser menos interessantes, a localização dos sons, esconderijos ou a furtividade, deixam frequentemente de importar sem uma justificação válida. Por outro lado, algumas lutas de Bosses são surpreendentemente boas, principalmente pela sua encenação, e pelas espetaculares mutações monstruosas. É quase uma experiência cinematográfica ser perseguido por estas criaturas de boca aberta. Ou talvez seja ainda melhor, visto que aqui somos nós quem controla a ação. O RE Engine tratou dos visuais, mas a equipa artística está de parabéns pelo modo como puxou por eles ao máximo. Também podemos ativar o Ray-Tracing da nossa Xbox Series X para resultados ainda mais espetaculares, embora isso faça descer um pouco os fps, e obrigue a uma paragem no jogo para uma ida ao menu principal.
Seja contra lobisomens empunhando martelos, monstros peludos ou indivíduos de broca na mão fortemente blindados, que são um pouco mais exigentes, estes também não são todos iguais. Temos de alterar a estratégia para cada um deles, chegando até a usar o seu próprio movimento destrutivo a nosso favor. No entanto, também reparámos em alguns pequenos erros de IA, que parece nem sempre detetar quem já foi derrotado. Se formos rápidos, é possível repetir um ataque fatal novamente ao mesmo inimigo já eliminado. Um problema muito ligeiro.
As lutas normais também são travadas de maneira sólida, mas Ethan é bastante lento e não tem nenhuma manobra defensiva disponível, para além de uma reviravolta rápida, de modo que muitas vezes a opção é fugir para a frente. Ele pode bloquear ou empurrar, mas não tem pontapés, nem contra-ataques disponíveis. Um pouco limitado, mas o suficiente para a ação.
Upgrades Extra
Por melhores que sejam as nossas colunas ou auscultadores, alguns sons não são muito inspirados, principalmente em algumas das armas. O mesmo acontece com os upgrades seguintes, como as espingardas e armas automáticas, ou lançadores de granadas em várias áreas, que parecem soar de forma pouco impressionante. Para além do arsenal bélico, também podemos investir em malas, vendidas por Duke, para não termos de sofrer muito com o limitado inventário, o qual às vezes exige uma organização rigorosa para que tudo encaixe.
A habitual produção de objetos de cura, munição e minas, também funciona corretamente, especialmente porque os inimigos (que desaparecem no ar) geralmente deixam cair os ingredientes necessários, e resto podemos encontrar com alguma exploração. Comparado com os primeiros Resident Evil, aqui temos muito poder de fogo à nossa disposição, mesmo depois de algumas das fases mais exigentes do jogo.
Horror na Rede
Por fim, temos de referir os dois modos multijogador deste Resident Evil Village. O primeiro é desbloqueado logo depois da campanha, e chama-se ‘Mercenearies’. Aqui teremos de enfrentar vagas de inimigos, sempre com a pressão de um tempo limite. A ação está claramente em primeiro plano com uma abordagem arcade. Existe uma loja, que é baseada na variedade do vendedor do jogo principal, onde podemos investir em variadas recompensas, como atualizações para as armas e remédios. Também podemos equipar o personagem com habilidades especiais, por exemplo, para aumentar os valores de dano de armas curtas ou a velocidade de movimento. ‘Mercenearies’ é um modo divertido, mas não se destaca especialmente da concorrência.
O segundo chama-se ‘Re: Verse’, e só chega algures no verão de 2021. Aqui, os jogadores podem controlar vários protagonistas de toda a saga RE, num jogo de sobrevivência para até seis jogadores em simultâneo. Segundo a Capcom, esta será uma adição gratuita para todos os jogadores que compraram o Resident Evil Village, mas como não conhecemos para já mais detalhes, as nossas expectativas são algo limitadas.
Veredito
Ahh, o terror, o pânico, a maledicência da mulher gigante!! Não, não estamos perante um novo reality show. Este é o 8º Resident Evil, original, fora do contexto e claramente talhado para agradar aos jogadores fãs do terror e do suspense. Não temos dúvidas que a Capcom conseguiu criar uma nova experiência assustadora e, ao mesmo tempo, fiel às origens da saga.
Com uma premissa consistente, e interessantes plot-twits ao longo da história, conduzimos o nosso herói Ethan numa sucessiva e persistente busca pela verdade, até culminar na explicação surpreendente que finaliza o jogo. Com cenários incríveis e uma dose absolutamente gigante de adrenalina, não é fácil ficarmos indiferentes às sensações que este jogo nos proporciona.
Existem detalhes muito bem conseguidos, como as batalhas com Bosses, os cenários e sons direcionais, uma jogabilidade lenta, mas precisa, e uns visuais otimizados graças a um produto da casa, o RE Engine. Mas também não podemos ignorar o que resultou menos bem, como uma história demasiado despachada e por vezes desinspirada, o herói sem carisma, e acima de tudo, a oscilação constante de estilos de terror. Passamos de um magnífico castelo e da gigantesca vampira, já celebre na Internet, para um inspirado cenário ao estilo ‘escape room’, até sermos surpreendidos por um vilão gordo, nojento e desajeitado, passando por uma área de tiro frenético com tanques, ciborgues e robôs gigantes. Uh? ciborgues? Se vampiros, bruxas e lobisomens não forem suficientes, ainda recebemos a visita de bonecos diabólicos, exterminadores e mutantes, mas nunca os tradicionais zombies da série Resident Evil, a não ser uma espécie de mortos-vivos, todos iguais e com a mesma roupa.
Resident Evil Village apresenta tantos elementos diferentes dentro da mesma história, que acaba por não destacar nenhum deles o tempo suficiente para deixar-nos totalmente satisfeitos. Felizmente, o resultado final continua a ser muito bom, principalmente devido à grande evolução tecnológica que apresenta, e aos vários momentos altamente climáticos que nos proporciona. O desenho dos níveis parece bem pensado, a mistura de combate, terror e exploração está correta, e as lutas às vezes são espetaculares. Apenas lamentamos que a história e a temática não acompanhem esta qualidade, ou estaríamos perante uma obra-prima da Capcom. Mesmo assim, Village é certamente um dos melhores Resident Evil dos últimos anos.
[Análise baseada na versão de Resident Evil Village para a Xbox Series X, gentilmente cedida pela playandgame.pt]